The Project Gutenberg EBook of Contos do Norte, by Joăo Marques de Carvalho
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Title: Contos do Norte
Author: Joăo Marques de Carvalho
Release Date: May 4, 2009 [EBook #28691]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK CONTOS DO NORTE ***
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J. Marques de Carvalho
Contos do Norte
Belem do Pará
Editor--Alfredo Augusto Silva--Editor
TYPOGRAPHIA ELZEVIRIANA
1907
Obras de MARQUES de CARVALHO
IX
CONTOS DO NORTE
DO MESMO AUCTOR
O Sonho do Monarcha Opusculo
Lavas Opusculo
Paulino de Brito Opusculo
Hortencia 1 volume
O Livro de Judith 1 volume
Contos Paraenses 1 volume
Entre as nymphéas 1 volume
A Carteira d'um diplomata (1.Ş serie) 1 volume
EM PREPARAÇĂO
Um livro alegre
J. Marques de Carvalho
Contos do Norte
2.Ş EDIÇĂO
Belem do Pará
Editor--Alfredo Augusto Silva--Editor
TYPOGRAPHIA ELZEVIRIANA
1907
A JOSÉ MARQUES BRAGA
UMA HOMENAGEM
_Meu caro Marques Braga_,
Este livro é, na quasi totalidade, uma homenagem ao povo paraense. O
escriptor que traçou os contos seguintes năo occulta o pendor do seu
espirito pela vida seminomade dos conterraneos, que tăo sobriamente
vegetam no coraçăo das florestas. Viajar sempre com elles pelos
buliçosos rios amazonicos, extendido no paneiro de popa da embarcaçăo
indigena, abertas as velas ao sopro galerno do vivificante marajoara,
seria a realisaçăo d'um sonho,--bello sonho de retrocesso á existencia
primitiva, se quizerem, mas de intensa consolaçăo moral.
Quando o caboclo, armado do longo varejăo por elle mesmo talhado no
matto, impelle a canôa para o leito da correnteza, fazendo-se ao largo,
năo pensem que leva cuidados no espirito ou maguas no coraçăo: a
_cidade_ é para elle um agrupamento complexo de sęres transviados, o
antro onde formigam incomprehensiveis falsificaçőes da natureza. Elle
afasta-se contente com o cigarro ao canto da bôcca, uma jucunda
satisfacçăo nos recessos da alma. Partindo para o _sitio_, para a roça,
o caboclo é o triumphador das selvas, o zombador dos preconceitos,
resignado ás inclemencias dos homens,--que as da natureza săo-lhe
familiares e já insensiveis talvez. E quando, ao meio do rio, desdobra
as velas á viraçăo, inunda-se-lhe o cerebro de uma ineffavel volupia,
todo o encanto da liberdade dilue-se no seu espirito, deliciosamente
infiltrado. Bastam-lhe os horisontes alcançados com o olhar tranquillo.
O vapor avistado ao longe, o qual, repleto de passageiros, attinge-o em
poucas voltas de helice e o ultrapassa rapidamente,--pensaes acaso que o
incommoda ou lhe provoca rebelliőes de impotente desespero? O caboclo
despreza esses recursos da navegaçăo dos brancos. O que o enthusiasma é
justamente a sua canôa, onde foi creado, onde seus filhos vieram á vida
e onde á luz do sol paraense fechou os olhos á velha mulher engelhada e
querida, que o amammentara com o seu leite maternal. Esse batelzinho,
tăo fragil e tăo veleiro, é o enlevo das suas contemplaçőes de
fatalista, tugurio e vehiculo, ganha-păo e leito de amores simples.
Toda a singeleza da vida, com pequenas aspiraçőes e nenhum rancor, ali
se condensa entre as pranchas do casco e os pannos das vélas,--mortalha
e tumba, em caso de necessidade.
A canôa é o caboclo, chova ou faça sol, cantem nas ramarias da margem as
aves da floresta ou regouguem sobre o pequeno mastro as imprecaçőes do
temporal: acolhe-os o caboclo com egual socego de alma, a mesma
indifferente resignaçăo, que é o symptoma do mais valoroso espirito
resistente e da mais acrisolada bondade nativa.
A agua é a grande fascinadora, na Amazonia. Existirăo realmente as
yaras?
Teu velho amigo,
MARQUES DE CARVALHO.
REPRESALIAS
REPRESALIAS
Năo muito distante de Salinas, a dois passos do mar,--o caboclo Antonio
edificara a sua palhoça. A areia das dunas extendia-se-lhe á porta,
corria em declive para a agua, formando alaranjado estendal, da côr da
madresylva morena.
Mas a floresta, que entestava com a habitaçăo, ensombrava todo o
recinto. Galhos seculares espalhavam-se em docel por cima do ubim do
tecto. Ali, quando o vento do largo sacudia o arvoredo, em noites de
plenílunio, o canto do sabiá tinha modulaçőes saudosissimas, como se
fôra cantilena de creanças.
Maré cheia, poucos passos separavam a porta da cabana do logar onde a
areia sorvia o rendilhado das escumas. E do copiar do Antonio ouvia-se
entăo perfeitamente o embate do marulho no flanco da canôa atada ao
velho poste de acapú, que uma cruz rematava.
* * * * *
Havia muito que ali habitavam Antonio e o filho. Elles proprios tinham
construido a casa de sapé, com os recursos encontrados na matta.
D'antes, moravam em Salinas, onde o caboclo era pescador e dos mais
afreguezados.
Um drama terrivel, porém, induzira-os a deixar a localidade, procurando
no silencio e isolamento da costa despovoada o consolo de uma grande dôr
commum.
Uma tarde de temporal, a companheira de Antonio tivera a velleidade de
tomar banho no oceano. Montanhas de agua corriam do largo, urravam
furiosas ao chegar á praia, no desespero com que rebentavam na areia. O
ceu todo estava negro, acolchoado de nuvens: coriscos fuzilavam
incessantemente e a chuva, levada pela ventania, transformava-se em
nevoeiro subtil e frio.
Vizinhos, que tinham visto a mulher encaminhar-se para o mar,
perguntaram-lhe se estava louca. Ella, porém, dissera que velhos amigos
năo brigam.
--E sei nadar muito bem, concluiu, senhora de si propria.
Equivocara-se. Comquanto năo se afastasse senăo uns quarenta ou
cincoenta metros, uma onda maior enlaçou-a fragorosa, suspendeu-a como
um argueiro, levou-a para longe. De terra viram-n'a erguida na crista da
vaga. Debatia-se valente, bracejava com energia, em direcçăo á praia.
Mas um grito resoou no grupo de espectadores transidos. Antonio,
palpitante de pavor, apontava para o mar. Ao longe, em direcçăo á
cabocla, levantara-se outra onda enorme, que vinha correndo
vertiginosamente. Comprehendeu-o a rapariga: redobrou de esforços, afim
de alcançar o littoral antes que a formidavel serrania d'agua a
envolvesse.
Esta, no entanto, corria célere, cachoeirando. E, n'um momento, alcançou
a infeliz, arrastou-a para a praia, onde rebentou n'um estrepito
medonho.
Toda a gente, que a curiosidade fizera acercar-se até á agua, tinha
fugido, gritando desesperada. Ao voltarem-se, quebrara-se a vaga. Mas a
pobre cabocla fôra cuspida na areia com violencia, jazia morta, o peito
pisado, um fio de sangue escorrendo da bocca entreaberta.
Correu Antonio a tiral-a para a terra, beijando-a com frenesi. Năo podia
crer que houvesse morrido a măe do seu filho. Quando, após instantes de
văos esforços para a reanimar, comprehendeu afinal a terrivel desgraça,
escapou-se-lhe do peito um grito rouco de angustia e o desgraçado
desmaiou, caindo de bruços sobre o cadaver.
* * * * *
Teve o caboclo profundo sentimento. E năo perdoou ao mar,--ao mar que
elle tanto amara,--a infidelidade inesperada, a incrivel e covarde
traiçăo.
Reuniu os amigos, enterrou o cadaver no cemiterio da villa. Quando
passava o feretro na praia, ao dia seguinte, ainda o mar sacudia as
vagas alterosas, sob o ceu pardacento.
Regressando a casa, tomara Antonio a resoluçăo de retirar-se de Salinas.
Assim fez, de facto: em menos de uma semana vendeu os poucos moveis,
entrouxou a roupa, alguns objectos necessarios á alimentaçăo e uma
espingarda; e, embarcando na canôa com o filho, levantou ferro, içou a
vela e partiu.
Nem elle mesmo sabia para onde devera ir. Deixou-se levar pelo vento,
prolongando a costa. Ao cahir da tarde, como avistasse uma enseada,
aportou;--saltaram a terra.
Essa noite, dormiram-n'a ao ar livre. Mas o caboclo, deixando a
embarcaçăo, fechara o punho erguido, proferindo uma ameaça ao mar.
Rompera este o pacto tacito que entre ambos existira, roubara-lhe a
companheira idolatrada. Pois ali mesmo jurava, invocando o testemunho
das estrellas e a memoria da inolvidavel ausente,--que havia de
vingar-se. Elle e o filho nada mais fariam do que investigar o
horisonte, buscando surprehender qualquer signal, pedindo soccorro, das
embarcaçőes que naufragassem. E haviam de roubar ao mar tantas quantas
victimas podessem,--tantas vidas quantas eram as penas que lhes ralavam
o coraçăo. Essa seria a vingança d'um marido e d'um filho inconsolaveis.
* * * * *
Annos fazia que ali moravam, na casa por elles proprios construida com
os materiaes tirados á floresta proxima. Cada noite, vinham para fóra,
extendiam-se na areia, silenciosos e pensativos, esquadrinhando o largo
com o olhar affeito á escuridăo.
Desesperava-os, entretanto, a monotonia da existencia. Parece que a
sorte zombava-lhes das intençőes. Jamais haviam podido realizar o
intento da primeira victoria,--o almejado triumpho, que embriagasse como
a cachaça. Calmo ordinariamente, o mar enorme tinha uma impassibilidade
irritante. Barcos de pescadores deslisavam ao longe, similhavam grandes
gaivotas brancas, esfrolando a vaga com as azas. Vapores passavam
também, ora os costeiros, ora os vastos paquetes do sul:--uma navegaçăo
precisa, em dias determinados, quasi á mesma hora.
* * * * *
Uma noite, porém, a tempestade, que desde a tardinha ribombara ao longe,
approximou-se dominadoramente.
A cabana dos caboclos era a cada instante illuminada pelo clarăo dos
relampagos, estremecia na vibraçăo de cavernosos trovőes.
A espaços, segundos após uma fulguraçăo mais accentuada, retinia o raio,
na matta vizinha. E os dois irreconciliaveis inimigos do oceano
entreolhavam-se mudos, com uma pequena chamma de esperança rebrilhando
ao fundo das pupillas irrequietas. Seria aquella a noite reservada para
a satisfacçăo da primeira desforra? O coraçăo dizia-lhes que sim.
De subito, no silencio relativo que se estabelecera entre um relampago e
um trovăo, pareceu a Antonio ouvir um grito longinquo,--som quasi
imperceptivel, talvez phantasia do seu vehemente desejo.
--Năo ouviste? perguntou baixinho, n'um offego.
O rapazito conservou-se calado, mas parecia prestar attençăo.
--Ha de ser coruja, explicou ao cabo d'um instante.
Mas outro grito ouviu-se entăo, d'esta feita mais accentuado. Năo havia
duvida, alguém pedia soccorro.
--É obra! exclamou Antonio.
--Paręsque sim, disse o rapaz.
E, levantando-se, correram para fóra.
* * * * *
Ahi, a chuva caía violentamente. Negro o ceu, negro o mar,--tornavam-se
a cada instante d'uma lividez violacea, com o lampejo dos relampagos.
Ondas debatiam-se em tropel, vinham quebrar-se na praia com extranha
furia. Mas os mais pavorosos estrondos eram os da insondavel floresta
virgem, sinistro consorcio do cair da agua nas ramarias, do soluço dos
galhos agitados e dos gritos indefinidos de toda a sorte de animaes
surprehendidos pela tormenta, desalojados dos poisos, atacados nas tocas
esconsas.
No primeiro momento, nada viram os dois caboclos; cegava-os
deslumbradoramente o palpitar dos relampagos. Comtudo, seus olhos
expertos breve triumpharam das trevas ululantes. E ao cabo de curta
concentraçăo, voltados para o largo, enxergaram a pouca distancia da
linha da agua um vulto negro, que ora subia a admiraveis alturas, ora
desabava rapido ao seio de profundos valles movediços.
Novo grito, indistincto a quem năo tivesse a pratica da vida maritima,
scindiu o espaço, pedindo soccorro. Năo havia hesitar. Antonio,
impossibilitado de cruzar a vista com o filho, tomou-lhe um braço,
apertou-o nervosamente. Comprehendeu-o o rapaz. Era aquella a hora da
famosa represalia!
Atiraram-se os dois ao mar, despidas n'um momento as simples calças de
dril azul, sem uma indecisăo. Eil-os que nadam, com extraordinarios
esforços, em direcçăo ao negro vulto oscillante além, á flôr das ondas
indomaveis. Guia-os uma alegria enorme,--o enthusiasmo entôa risonhos
hymnos ao fundo de suas almas singelas.
Para Antonio, esse é o momento da inebriante desforra. Vae vingar-se do
oceano! Vae vingar-se do oceano!
--Coragem, curumim! grita ao filho, sem ser ouvido.
E nadam os dois, nadam corajosos, avançando com difficuldade, mas,
apezar de tudo, avançando sempre.
* * * * *
Chegaram emfim ao ponto desejado. Era uma pequena canôa, fundeada sem
duvida antes da tormenta.
Pae e filho saltaram para dentro da embarcaçăo, quasi inteiramente
alagada. Á pôpa, sobre o paneiro já tomado pela agua, estava um homem
extendido.
Hirto, esperou um relampago e indicou por acenos--pois falar seria
inutil esforço em meio áquelle barulho macabro dos elementos--que o
mastro, partido pelo raio, caíra sobre elle, quebrando-lhe uma perna. E
á luz de outro relampago, demonstrou a desconfiança de que a embarcaçăo
estivesse prestes a sossobrar. Com effeito, a agua subia sempre.
Já Antonio tomara-o nos braços, colhendo-o de encontro ao coraçăo.
Firmou-o mais á esquerda, gritou-lhe ao ouvido que năo fizesse o menor
movimento e, galgando a borda, atirou-se ao mar, seguido do rapaz.
Eil-os agora que nadam jubilosa, difficultosamente para a costa. É ainda
maior, se possivel, a alegria dos caboclos. Vingaram-se do inimigo,
furtando-lhe uma pręza... Que ventura!
Năo é tarde, entretanto, para o hymno definitivo do triumpho: o mar sabe
disputar-lhes a victoria, porque, emquanto a tormenta, no seu auge
agora, desencandeia pelo espaço uma estrepitosa arrogancia, o oceano
sacode o negro dorso, incha alterosas serranias e atira-os á direita e á
esquerda, como tabocas pôdres.
Antonio é valente, Antonio conhece o valor do adversario, porém năo o
teme: bem maior é a gloria, n'essas condiçőes de desegualdade de forças.
Está fatigadissimo, que năo é pequena façanha affrontar a furia das
ondas, em occasiăo de temporal, trazendo nos braços um corpo humano. Mas
a memoria da saudosa companheira perdida em identica situaçăo é um
consolo e uma animaçăo. Essa bemdita memoria faz o milagre de o alentar
mais efficazmente do que um bom trago de canna. E o forte caboclo, sem
saber ao certo a que distancia da praia se encontra, sente-se de repente
atirado sobre a areia, abraçado ao seu protegido.
Já está de pé, illeso. Fulge-lhe no peito illimitado contentamento. Sem
olhar para traz, abaixa-se, toma nos braços a pręza roubada ao mar e
parte a correr para a cabana, murmurando na ancia de precipitados
offegos:
--Ven... ci, ca... na... lha!
Porém a lucta foi renhida e longa; mal atirou á sua propria ręde o corpo
desmaiado do naufrago, caiu por terra, sem sentidos.
* * * * *
Voltando a si, ao amanhecer, Antonio levantou-se estremunhado. Após um
esforço mental,--no primeiro instante de nada se recordara,--lembrou-se
da lucta com o oceano e da sua victoriosa consequencia, a salvaçăo de um
homem. Este ahi estava, extendido na ręde, dormindo. Ouvia-o resonar
compassadamente. Seu filho teria velado por ambos...
O caboclo percorreu com a vista o pequeno aposento, mais illuminado pelo
indeciso alvor do que pela tenue luz da candeia de andiroba,
bruxoleante. Onde estaria o pequeno? foi a interrogaçăo que fez a si
proprio. Havia de ter saido... Prestou attento ouvido aos murmurios do
exterior. Uma grande calma devera ter substituido o impeto desordenado
da tormenta, porque o mar tinha agora ondulaçőes regularissimas,
denunciadas pelo prolongado arrastar das vagasinhas preguiçosas. A
floresta jazia entorpecida, sem um silvo de passaro, como reconcentrada
na volupia do grande banho da noite.
Demorados minutos quedou-se assim aquelle homem, immovel no solo, junto
á ręde do desconhecido. Sua attençăo, affeita á vida na costa, seguia,
pelos arruidos que atravessavam as paredes da cabana, o vae-vem da onda
socegada. Ao cabo de longo tempo de applicaçăo, tornou a lembrar-se do
filho, que năo voltara. Teria ido arriscar um tiro por perto, no
matto?...
Ergueu-se entăo Antonio, foi espreitar o rosto do naufrago, que dormia
sempre, mergulhado n'um grande somno febril, com a perna
assustadoramente inchada.
Quando levantava a cabeça, Antonio fixou o olhar n'um ponto da parede e
teve um calafrio: pendente de um prego, estava a espingarda e este facto
arredava a hypothese de ter ido o pequeno á caça. Mas entăo, por onde
andava elle?
Terrivel suspeita ergueu-se-lhe ao fundo do espirito, confrangendo-lhe o
coraçăo. Se tivesse morrido?... Era impossivel! O rapaz ia voltar, com
certeza. Entretanto, năo ficou tranquillo, embora tratasse de
distrair-se, preparando um cigarro e apagando a candeia. Lá estava um
pezar desassocegado, agachado no recondito do coraçăo.
Veiu apressado para fóra. Seus olhos percorreram a praia, n'um relance:
tudo deserto. Nas dunas mais proximas da floresta, a vegetaçăo rasteira
havia sido lavada e sorria na brandura do seu verde tenro. Á beira do
matto, as grandes arvores retorciam immoveis os sombrios musculos
nodosos, todos embebidos d'agua. E no firmamento esfumado, poucas nuvens
se destacavam, tingindo-se de côr de rosa.
Voltou-se Antonio para o mar. As aguas tinham um espreguiçamento suave.
Do barco que naufragara á vespera nada mais se via: ou fôra a pique, ou
o temporal o arrastara a qualquer ponto longinquo da costa.
Signal do rapaz absolutamente năo havia. Na areia, banhada pela chuva
até mui tarde, tinham-se desfeito as pegadas de Antonio, recolhendo com
o naufrago. Mas entăo, se o filho tivesse dormido na cabana e só pela
manhă saísse, o chăo pisado de fresco havia de indicar a direcçăo por
elle tomada. E a verificaçăo de que o solo estava todo liso, por egual,
foi concludente para o caboclo.
Duas lágrymas, ardentes quaes malaguetas, queimaram-lhe as palpebras e
um soluço estrangulou-lhe na garganta a emissăo de um improperio feroz.
Ainda appellando para uma esperança fortuita, deitou o infeliz a correr
ás tontas de um a outro lado, chamando o filho em grandes gritos.
Respondiam-lhe os echos da floresta, demoradamente. E o oceano, sem
perturbar-se, arrastava as ondas languidas, que formavam rendas
espumosas, sobre a finissima areia da côr da madresylva morena.
A subitas, estarreceu o caboclo. Além, junto á linha da agua, muito
distante do sitio onde se achava, lobrigaram seus olhos de pae um vulto
extranho e logo o coraçăo bradou-lhe que era o cadaver do curumim.
Antonio poz-se a correr--a voar--para o sitio a que o presentimento o
compellia.
* * * * *
Năo é um pezar o que leva esse homem no coraçăo: é um mundo de
angustias, um turbilhăo de agonias. Ensopada, a areia facilita-lhe a
carreira, pela resistencia que lhe offerece aos pés descalços. E cada
pegada, um instante calcada no solo, fórma, bem depressa, uma pequena
poça que reflecte na sua superficie, sobrepondo-os, o verde claro da
vegetaçăo das dunas e o rosado suavissimo das nuvens, tocadas de sol.
Uma distancia insignificante separa-o já do vulto que tăo lugubremente o
attrae. E o desgraçado reconhece logo o cadaver do filho.
Mais alguns passos vacillantes e Antonio cae a soluçar sobre o corpo da
creança afogada. E o seu pranto, as lamentaçőes que profere, tęm menos a
expressăo de um desespero, do que da confissăo da propria impotencia, na
lucta inutil de represalias que havia travado com o oceano.
UM EXGOTTADO
UM EXGOTTADO
O pobre Heitor foi levado á sepultura n'uma triste e chuvosa manhă de
abril. Como năo tivesse bens que deixassem aberta a possibilidade de um
galanteio posthumo, nas folhas d'um testamento, acompanhou-o até Santa
Isabel apenas o bom compadre Fernandes, o inestimavel enfermeiro nos
poucos e longos dias de soffrimento.
O largo circulo de seus amigos eximiu-se do incommodo da viagem a bond,
desculpando-se com o mau tempo, quando, mais tarde, um ou outro
defrontava com o paciente Fernandes.
* * * * *
Năo obstante, aquelle infeliz fôra, na vida, um moirejador notavel. Toda
a cidade conhecia-lhe o nome. Fizera-o á custa de muitos annos de
improbo trabalho, n'uma repartiçăo movimentada e importante. Quando
fechava o serviço official, năo era para casa que ia o Heitor: tomava o
caminho do diario onde collaborava e que lhe devia grande parte de seus
melhores exitos.
Quantas noites năo passou elle em claro, n'uma superexcitaçăo agridoce,
obsidiado pela idéa d'um artigo sensacional, enthusiasmado por uma nova
secçăo, enervado na improficua procura d'um termo proprio, d'um vocabulo
justo, que exacta e completamente interpretasse o seu pensamento!
Mas era mais do que um jornalista, o Heitor: era um litterato de
vocaçăo. Seu anhelo mais vehemente consistia na publicaçăo d'um livro,
novella ou contos, que fôsse a definitiva consagraçăo do seu nome de
escriptor. Muito joven, fizera nas lettras uma estréa banal, quando
estudante. Lançara, como tantos, um manifesto politico em verso e
commettera sonetos como toda a gente os perpetra, aos 20 annos. Porém
depressa lhe disse o bom senso năo serem os versos o seu forte e Heitor
dedicou-se á prosa. Tivera, ao principio, um estylo guindado, quasi
gongorico: influencia de Camillo Castello Branco, que o impressionara
violentamente. Fez-se pesquizador de vocabulos raros e tentou remoçar,
com honras de neologismos, termos venerandamente archaicos. Seu
criterio, entretanto, aconselhou-o com brandura a emancipar-se de
alheias influencias, a mostrar-se nú ao publico, sem artificios de
linguagem. Foi-lhe salutar a propria observaçăo: a fórma tornou-se mais
simples, a expressăo mais singela, a idéa mais clara.
Succedia que voltava alta noite do trabalho, fatigadissimo, os olhos
avermelhados, o cerebro ôco e pesado; e, na vehemencia de seu amor ás
lettras, assim mesmo sentava-se á mesa, a rabiscar tiras consecutivas, a
esmo, com desespero.
Davam-se, entăo, alternadamente, grandes, desencontradas luctas
n'aquelle espirito. Vinham-lhe ás vezes, á lembrança do exito de um
livro novo, reviviscentes enthusiasmos. O clangoroso clarim da emulaçăo
retinia-lhe aos ouvidos, animadoramente. Sentia-se Heitor capaz de
grandes commettimentos, fazia projectos e planos de romances,--uma
ediçăo de luxo, á Guillaume, com gravuras artisticas, executadas em
Paris.
Era um dos seus sonhos mais persistentes um livro amazonico, todo cheio
de vinhetas com paizagens nossas, que interpretassem, nas linhas do
desenho, as perspectivas que o texto havia de pintar ainda mais
eloquentemente do que o lapis. Á idéa d'essas illustraçőes, seu espirito
alcandorava-se em grandes esperanças. Todo o corpo vibrava-lhe de emoçăo
artistica, pregosando os applausos incondicionaes de seus conterraneos.
E projectava d'uma assentada dois romances e tres ou quatro contos.
Preparava-se para escrever, limpava a penna, dispunha meticulosamente o
papel deante de si e... fitava o tecto, á espreita da primeira palavra,
como se tivesse de agarral-a de surpresa; mas a phrase tornava-se
arredia, occultava-se n'um borborinho de pensamentos e o tempo fugia, na
desanimada esterilidade de Heitor.
Chegavam-lhe depois á memoria as ruidosas ovaçőes feitas a outros
escriptores, a acceitaçăo de seus livros, a popularidade de seus nomes
em todo o paiz. Tentava, n'um esforço de energia, vencer a
improductividade, forçar a idéa; tornava a molhar a penna, endireitava o
papel: tudo era inutil. Estava escripto que nada poderia fazer.
Deitava-se entăo, n'um desanimo, soprava a luz; ficava na escuridăo da
sua soledade, os olhos escancarados, com um offego de raiva a seccar-lhe
a guela. Era justamente isso a sua arrelia. Uma vez deitado, tinha, logo
depois, a intelligencia lucidissima: organisava as idéas, formulava
phrases mentalmente, alinhava periodos inteiros. E, n'uma crispaçăo,
conhecia--presentia--que, se escrevesse assim, teria garantido o agrado
publico, que é o vestibulo da immortalidade para o escriptor. Saltava ás
pressas para o chăo, accendia a vela, atirava-se á mesa:--mas o
encantamento quebrava-se, permanecendo ali apenas o homem de lettras
impotente, o jornalista exgottado, o funccionario embrutecido, que
longas horas de trabalho material impossibilitaram para as lucubraçőes
artisticas. Vinham-lhe entăo vibrantes assomos de tremulas
desesperaçőes. Infeliz Heitor!
* * * * *
Uma feita, lembrou-se de buscar na historia antiga assumpto para uma
novella. Naturalmente, o clarăo deslumbrante da Grecia chamava-lhe a
intelligente attençăo e Heitor deliberou logo que a vida hellenica da
éra premessianica seria a preferida da sua penna. Sem grande esforço,
presentiu que série de quadros impressionadores poderiam inspirar-lhe os
requintes d'aquella civilisaçăo assombrosa, mesmo em suas desabridas
paixőes carnaes, em seus vicios triumphantes. E que bellas perspectivas
havia de esboçar, na phrase curta e incisiva a que insensivelmente
affeiçoara-se-lhe o estylo!
Assumptos năo lhe faltavam. Toda a serie de lendarias hetairas,--Thais,
Sapho, Aspasia,--prestar-lhe-ia ensejo para admiraveis paginas. E
sonhava entăo fazer obra nova, fazer obra sua, propriamente do seu
cerebro. Queria divorciar-se de intençőes preconcebidas, seguir trilha
năo arroteada ainda. Sua novella seria em todos os sentidos
original,--que năo fôssem imputar-lhe a pecha de imitador dos Flauberts,
dos Anatoles France, dos Pierres Loüys.
Excellentemente educado, encontrara Heitor em consecutivas viagens
optima occasiăo para illustrar-se. Seu espirito, em assumptos d'arte,
possuia um admiravel senso esthetico, que a contemplaçăo dos grandes
trabalhos geniaes de todas as epochas havia creado e corrigido. Sonhara,
de prompto, fazer illustrar o seu volume com silhuetas de Carlos Aguiar,
paizagens de De Angelis e deliciosos molhos de flôres de Julieta França.
Havia de enchel-o de illuminuras, deliciosamente. Seria um livro
amoroso, toda a nudez do amor hellenico trescalando vivida volupia no
texto e fulgurando em vinhetas, n'uma exuberancia de corpos juvenis,
como harmonioso hymno á Forma immortal. E todas estas idéas vinham-lhe
ao cerebro sem baixa concupiscencia, antes por enthusiasmo artistico,
elevado e regenerador.
Entretanto, nada fazia. Quedava-se horas inteiras sentado á secretária,
já pensativo, já distraido, rabiscando palavras ermas de senso, ao
acaso. E que năo havia modo de surprehender a idéa matriz, fundil-a na
primeira phrase, definitiva e triumphal. Todos os periodos pareciam-lhe
inserviveis, sem nervos. Tocava-os com a vista, sopesava-os com o
espirito: eram expressőes molles como enguias, que escorregavam-lhe dos
sentidos e caíam n'uma laxidăo para o olvido, seguidas da saudade
dolorosa d'aquelle impotente sonhador.
* * * * *
Quando adoeceu, Heitor presentiu que estava tudo acabado. Ia morrer.
Subiram-lhe entăo as lagrymas ás palpebras, rolaram pelas faces como
pesadas, ardentes perolas em fusăo: lamentava o passado, arrependia-se
de tantos annos de transigencia com a inercia. Dizia-lhe a consciencia
que era de sua culpa, se tăo pequena bagagem litteraria legava á
Amazonia,--embalde o infeliz, para desculpar-se a si proprio, estivesse
no direito de invocar a absorvente tyrannia da existencia, a ingratidăo
universal. E, em poucos dias, entăo, cobriu-se-lhe de cans a desgrenhada
cabeça scismadora.
No instante em que expirou, esboçava Heitor um meio sorriso translucido:
dir-se-ia estar a ver perpassarem ainda as frótas d'Alexandre, mar Jonio
a fóra, ao som dos instrumentos musicos de cortezăs sagradas, erectas á
prôa e á pôpa, adoravelmente nuas.
CONTO DO NATAL
CONTO DO NATAL
O velho padre Jacintho estava já abroquelado na dupla coiraça da virtude
e da edade. Năo havia cara bonita de mulher nova que lhe attraisse um
olhar mais demorado, assim como năo existia peccado, venial ou mortal,
cuja denuncia pudesse conturbal-o. Tinha o sacerdote ouvidos castos para
quantos delictos lhe segredavam as beatas, atravez da lamina de folha
esburacada do confissionario.
E era sempre com a mais tranquilla meiguice, toda paternal, que
monotonamente prescrevia um Padre-Nosso e uma Avč-Maria como penitencia
ás mais reincidentes peccadoras.
Trinta annos de pastoreio de ovelhas espirituaes haviam-lhe dado, com a
calma imperturbavel, o anesthesico da sensualidade.
D'entre as suas mais assiduas confessadas distinguia-se, pelo ameno
rosto e fervorosa devoçăo, uma joven mulatinha, filha d'um fazendeiro da
comarca de Chaves. Era um primor, a Maricota, requestada por muitas
leguas em torno, na cálida terra marajoara, onde o amor bebe roborantes
philtros aperitivos, na doce emanaçăo das gordas pastagens restolhadas.
Ninguém mais attenta do que ella aos deveres do culto catholico e ao
cumprimento de suas obrigaçőes domesticas: «rapariga da ponta»,
consagrava-a a opiniăo da comarca, pelo orgăo competentissimo do
conspicuo juiz de direito.
Quando chegou dezembro, Maricota combinara com o vaqueiro Antonio, seu
namorado de infancia, que a fosse pedir em casamento no dia de Natal.
Tinha fé na data, que havia de angariar-lhe maior mésse de venturas; e
ainda em obediencia á inclinaçăo religiosa, abalou campos a fóra, até á
residencia do clerigo, a quem confiou a tarefa de formular perante seus
progenitores o pedido sacramental em nome do rapaz.
Ao tremulo pastor d'almas agradou aquella incumbencia intencional, como
lisongeira homenagem á sua dupla auctoridade de confessor e velho amigo
da familia.
Que fosse com Deus e ficasse certa de que, no dia de Natal, pela tarde,
lá estaria a representar o maganăo.
* * * * *
Á porta da casa principal da fazenda, á beira-rio, em Marajó. Tarde
assoalhada pomposamente, na magnificencia vencedora do grande astro a
descambar pelo espaço translucido. Chovera uma hora antes e o céu, azul
e brunido, estava ermo de nuvens. Dos campos infinitos, muito verdes ao
perto, gradativamente azulados á medida que a vista buscava o horizonte,
subiam olores adocicados, o bom cheiro dos fortes pastos ensopados
d'agua. E do lado dos estabulos, era um retintim jovial de cavaquinhos e
violas, o ardente sapateio das danças campesinas.
Toda a familia da Maricota, sentada no copiar em derredor da secular
mangueira frondosa da esquerda, palestrava contente, ouvindo as boas
chalaças inoffensivas do sacerdote.
Os dois noivos--noivos desde meia hora antes--conversavam a alguns
passos de distancia do grupo principal. Para o vaqueiro, esse instante
era o mais feliz da vida. Pulava-lhe o coraçăo desencontrado no peito
arfante, rebrilhavam-lhe as pupillas, que reflectiam a imagem, sempre
meiga e adorada, da sua querida Maricota. Parecia-lhe que a voz da
rapariga, n'esse primeiro colloquio já realizado com o assenso da
familia, e por isso dotado de um sabor novo, possuia inflexőes
desconhecidas, entonaçőes extranhas, um avelludado espesso como o
refresco do assahy.
Á moça, entretanto, como que um pensamento fixo a preoccupava. Duas
vezes já, deixara sem resposta, ou respondera demoradamente, a uma
apaixonada interrogaçăo do noivo, ternamente segredada em tremulo
balbucio de emoçăo.
Notou-o o velho padre, ao observal-os de longe. Erguendo a voz,
perguntou-lhe n'um sorriso:
--Que tens, filha? Em que pensas?
E a Maricota, levantando-se de ao pé do noivo, acercou-se da familia e:
--Penso, explicou, que por ser hoje dia de Natal, o sr. padre bem
poderia obter para mim a graça de ficar sempre «virgem antes do parto,
no parto e depois do parto»...
E voltando-se para o vaqueiro, a sorrir--innocente ou maliciosa? ninguem
poderia reconhecel-o, no meio da estupefacçăo geral,--accrescentou:
--Năo deves zangar-te com isso; Jesus foi filho de Deus, e Săo José năo
deu o cavaco!
A NETA DA CABOCLA DE OURÉM
A NETA DA CABOCLA DE OURÉM
D'entre as raparigas que, ha dois annos, se divertiam nos agapes
venusinos de Belém, distinguia-se, pela seductora graça de toda a sua
pessôa, uma joven cabocla, de feiçőes correctas e penetrantes, de
irressistivel olhar, todo malicia e promessas de prazer. Chamavam-lhe os
intimos--a Paquinha, pelo apimentado dos saracoteios, nas danças
nacionaes.
Esta personagem viera para Belém alguns mezes antes. Seu passado, bem
poucos o conheciam; sabia-se vagamente que, nascida em Ourém, fôra
creada pela avó, humilde tapuia cujo nome a chronica desdenhara
registrar. Morrera-lhe a măe ás poucas horas do puerperio difficil. Até
á adolescencia, a vida tinha deslisado sem peripecias notaveis, na
insipidez lacustre do logarejo. Um dia, porém, suas graças fascinaram o
escrivăo de um dos vapores da linha:--deixou-se a rapariga raptar, em
triste madrugada de chuva. O seductor, passado o primeiro enlęvo, na
capital, diminuiu os mantimentos na dispensa; mas, a pretexto de ciumes,
entrou de espancal-a com vigor. Por um momento, resignou-se a neta da
cabocla de Ourém; todavia, foi curta a passiva submissăo. Lembrou-se dos
mimos perdidos, no carinhoso lar da avó e fugiu da casa do embarcadiço,
disposta a voltar para junto da velhinha.
Na rua, teve a impressăo de achar-se n'um labyrintho: era a primeira vez
que sahia, em tamanho povoado; a casaria chegou a fazer-lhe medo, perdeu
o geito de andar: lagrymas fluiram-lhe dos grandes olhos negros,
desconsoladamente. Ao quebrar uma esquina, esbarrou em apressado
transeunte, pediu-lhe orientaçăo para o caminho do porto. Acolhida com
sympathia, contou-lhe a sua curta historia; n'aquella noite, jantou bem,
bebeu champagne pela vez primeira--e resolveu ficar na cidade.
O convivio com este novo amante durou apenas uma semana: pobres ambos,
que tinham a lucrar na associaçăo de duas miserias? Mudou-se para um
hotel.
Em poucos dias, tornou-se conhecidissima. A ingenuidade natural dos seus
modos, a lhaneza dos ademanes, a propria incorrecçăo com que se
expressava, constituiam outros tantos aperitivos da concupiscencia de
seus protectores. Conquistar-lhe as preferencias, um bom sorriso, ao
menos, era afan em que se empenhavam dois terços da populaçăo viril de
Belém. Tenham paciencia os dissimulados paes de familia; aqui lhes
delato a fraqueza: muitos dos que me lęm, andaram com o espirito captivo
de extranha preoccupaçăo, por causa da heroina d'este conto. E năo
poucos commendadores, dos mais adiposos e conspicuos, tiveram noitadas
de insomnia, flatulencias insidiosas,--ruminando a reluctancia da moça
em acceitar-lhes as tentadoras propostas. Paquinha comprazia-se menos em
viciosas intimidades do que no revoluteio das valsas; e a inebriante
effervescencia de uma taça de champagne, em jucundo banquete,
offerecia-lhe maior attracçăo do que as promessas de installaçőes do
luxo, que por experiencia sabia dever serem sempre ephemeras, tăo
fugidio é o capricho dos homens.
Por causa d'esta anomalia, tinha frequentes discussőes com as amigas,
pessoas praticas, absolutamente divorciadas do seu modo de encarar a
vida. Choviam-lhe nos ouvidos os mais ponderaveis conselhos:--que năo
fôsse tola em desprezar com leviandade os ensejos de fazer-se
independente, para preferir adoradores adventicios, optimos rapazes, é
certo, porém cujos recursos năo poderiam bastar ás exigencias do seu
trato. Encolhia a hetaira os bellos, roliços hombros morenos. Ella era
assim mesmo: fôssem lá contrafazer-lhe a natureza! E novas razőes
brotavam ainda á flôr dos labios das solicitas conselheiras e já ella,
gingando, a pensar no baile proximo, cantarolava uma copla de modinha,
na suprema lascivia de sua juvenil formosura.
Tal era a neta da cabocla de Ourém.
* * * * *
Similhante despreoccupaçăo, entretanto, devia de achar um termo.
Paquinha, um dia, amou. Despertando, manhă alta, no amplo, macio leito
do seu excellente _chálet_, á estrada Săo Jeronymo, foi com uma pontinha
de descontentamento que verificou a ausencia de Julio, o seu companheiro
da vespera. Porque, esse dissabor, se o mancebo ficara de partir pela
madrugada, sem a accordar? Nem ella propria, ao principio, soube definir
bem o traiçoeiro mal-estar; e apenas quando lhe notou a insidia, foi que
desconfiou do novo sentimento, esboçado por uma saudade melancholica.
Ergueu-se contrariada, de mau humor. Nem mesmo o banho, saturado d'ervas
cheirosas, conseguiu tranquillizar-lhe os nervos. Almoçou pouco e, em
toda a tarde, conservou-se reclusa, auscultando a alma. De um natural
ingenuo, admirava-se da surpresa d'aquelle affecto incipiente. Discutiu
probabilidades de outras causas,--ainda inclinada a năo attribuir a uma
origem passional a sua preoccupaçăo. Mas atraz de quantos argumentos a
voliçăo lhe inspirasse, via sempre o perfil do mancebo que a
impressionara,--sorridente perfil, cujo maior encanto residia, certo,
n'um ar de meiguice e ternura, que năo estava acostumada a ver no rosto,
simplesmente luxurioso, de seus habituaes convivas. Sentiu como se no
palacio dos seus sonhos se houvesse rasgado uma grande janella, toda
ornada de flôres odoriferas. Por lá entrava a luz, a bemdita luz de um
sol de felicidade; e entravam tambem auras bemfazejas, varrendo-lhe o
intimo do coraçăo. Á rapariga, entăo, acudiam aspiraçőes novas, uma
ancia, até ali desconhecida, empós do idéal,--tudo mal definido ainda,
porém já pregosado com intima volupia. Como era bom aquillo, apezar de
dar-lhe um todo-nada de incomprehensivel soffrimento moral! Seria isso o
amor?
Quando anoiteceu, tornou ao banheiro, para a copiosa abluçăo vesperal.
Jorrando na larga piscina de marmore, a agua cantava branda melopéa, que
fazia pensar nas yaras. Frascos de vinagres caros aromatizavam de
essencias o ar humido. E o amplo espelho do fundo,--a um canto do qual
De Angelis, o pintor sacro-mundano, traçara, com o seu pincel malicioso,
uma adoravel nudez de caboclinha com feiçőes de archanjo,--expandia a
polida superficie, como n'um enorme bocejo de impaciencia, á espera
d'ess'outra nudez animada, que estava para vir confiar-lhe as suas mais
capitosas intimidades.
Despiu-se Paquinha, qual um automato. As măos, errantes, desabotoavam e
deslaçavam, sem segurança; o espirito, alheado, vagava longe,
contornando de osculos mentaes a imagem ausente de Julio. Só a sensaçăo
da agua fria trouxe Paquinha á realidade. Com certeza, amava ao rapaz.
E, alfim convencida, disposta tambem a conquistal-o, entregou-se, com
redobrada attençăo, ao preparo de todos os artificios da galanteria
feminil. O espelho, deante do qual, ao sahir do banho, patenteou o corpo
inteiro, n'um brando arrepio mádido, mostrava-lhe com fidelidade os
requintes da mais triumphante belleza. Pois era preciso realçar taes
dotes, empregal-os com arte, com uma ascendencia discreta, para a
realizaçăo da conquista projectada. E, n'um derradeiro olhar,
satisfeito, ás proprias fórmas,--olhar encerrando beijos,--Paquinha teve
a convicçăo da victoria próxima.
Em pouco tempo, quanta mudança n'essa mulher, já tăo diversa da
primitiva neta da cabocla de Ourém!
* * * * *
A seducçăo começou n'aquella mesma noite, no baile da Rapioca. Ao magote
de mancebos que affluira á porta da sala, a solicitar valsas e polkas,
respondeu ella, sorrindo, estar já compromettida «para todas as danças».
E logo, com uma leve anciedade, os negros olhos tentadores de Paquinha
perscrutaram o aposento, procurando Julio.
Lá năo estava o rapaz. Se tinha vindo? perguntou a um janota. Ante a
resposta negativa, pulou-lhe um sobresalto no coraçăo, como se algo lhe
faltasse de subito na integridade da existencia moral.
Tornou-se notada a preocupaçăo da rapariga, doidivanas proclamada em
todos os festivaes de Cythera. Năo houve galanterio de admiradores que a
distrahisse da tristeza em que mergulhara. Nem os mais requebrados
maxixes conseguiram chamal-a ao salăo de baile. Pedidos, supplicas,
ardentes appellos ao seu primitivo enthusiasmo choreographico, tudo foi
impotente.
--Que terá hoje a Paquinha? perguntavam uns aos outros os moços,
intrigados.
--Partes! diziam as demais mulheres, com sarcasmo.
Breve, porém, houve a explicaçăo do caso. Julio acabava de chegar; a um
chamado da tentadora tapuia, enlaçou-a n'um orgulho, e o bello par fez
irrupçăo na sala, rodopiando ao som de um boston.
--Ah! disse em côro quasi toda a assistencia, comprehendendo.
--Temos novidade! exclamou um velhote careca, de barba ponteaguda e
olhinhos amendoados.
--Paixăo, disque! motejou uma valsista esgrouviada.
Emtanto, Julio e Paquinha deslizavam com subida elegancia, ao rythmo da
musica, falando baixo, no aconchego de intensa ventura.
Terminada a valsa, a rapariga conduziu o cavalheiro para uma janella da
ante-sala. Na altura do sobrado, que sobrepujava os predios adjacentes,
brisas suavissimas corriam sob a luz serena do luar. Uma ternura sem
limites dilatou-lhe a alma enamorada. E ali, no afastamento, ao som d'um
preludio de quadrilha, Paquinha tomou uma das măos de Julio e segredou,
com a emoçăo a sacudir-lhe a voz:
--Se eu te amasse?...
Estava o moço muito longe de prever similhante pergunta. De surpresa foi
a primeira impressăo. Logo, porém, sorriu--jubilo ou ironia?--e
exclamou:
--Serias a mais justa e misericordiosa creatura da terra, meu amor!
--Vamo'-nos, entăo, repoz a caboclinha, sempre a meia-voz, gravemente.
Descendo a escada, Paquinha levava o coraçăo repleto de alegria. Seu
rosto, transmudado pelo contentamento, exprimia deliciosas impressőes.
Era ella quem seguia adeante, agarrada á măo direita do rapaz, com um ar
de triumpho, que lhe duplicava a belleza. Julio constituia a sua
presa,--a presa da alma apaixonada. Como era bom amar e ser amada!
Quando o mancebo accordou, na manhă seguinte, poderia attestar que a
suprema delicia é privilegio da vida terrena. D'aquella noite datou uma
existencia encantadora para ambos, no poetico _chálet_. Todos os
momentos que as occupaçőes lhe davam de folga, passava-os Julio ao lado
da amante, n'um connubio que offerecia seducçőes paradisiacas.
O joven par desappareceu das agglomeraçőes, isolou-se, para melhor fruir
o arroubo de uma prolongada intimidade sem testemunhas. Viveram ambos as
mais agradaveis horas que aos mortaes é dado gosar,--na tranquillidade
do ninho perfumoso, sem ambiçőes além do proprio amor, em mutua
adoraçăo. Descobria cada qual que o outro possuia inestimaveis meritos
e, com uma surpresa ingenua, confessavam reciprocamente que a mais
perfeita paridade de caracteres predestinava-os para uma eterna
comprehensăo bemaventurada.
Era de vel-os, unidinhos e amorosos, nas doces noitadas de paixăo,
quando a innata phantasia romantica os encaminhava para a farfalhante
penumbra do caramanchel, no jardim! Jasmineiros e eloendros desabotoavam
as redolentes flôres, que choviam como bençăos do céu propicio sobre o
enlace do joven par. Maior felicidade năo podera Julio exigir na terra.
O primeiro mez de tal cohabitaçăo foi, deveras, o mais afortunado que
jamais passou a neta da cabocla de Ourém.
* * * * *
Ao começar, porém, do segundo mez, entrou o amante de ser mais demorado
nas excursőes ao centro da cidade. Desculpava-se com a exigencia dos
negocios,--difficuldades imprevistas, que cumpria vencer á força de
diligencias pessoaes. Apaixonada em extremo, Paquinha acreditava n'estas
razőes, tanto mais quanto Julio, sempre delicado, nenhuma differença
sensivel apresentava no modo de a tratar.
Năo obstante, passageiras distracçőes alheavam, ás vezes, o espirito do
rapaz. Tinha, em certos momentos, um como atrazo da memoria, demoras em
responder á companheira; esforçava-se, com remorsos, com pena da
victima, por vencer a preoccupaçăo que traiçoeiramente o empolgava,
mesmo nas horas de intimos devaneios, nos braços da caboclinha. Mau
grado a energia com que luctava por afastar de si extranhos
pensamentos,--a idéa de outrem, a lembrança d'uma creatura idealmente
loira e divinamente bella, entrevista algumas tardes antes,
apoderava-se-lhe dos sentidos, com persistencia. E em pouco tempo, a
_intrusa_ estabeleceu-lhe na mente absoluto predominio. Foi uma
obsidiaçăo desesperadora. Quando, á força de reagir contra a capitulaçăo
involuntaria, buscava nos amplexos da cabocla attracçőes que suppunha
efficazes, a contragosto entrecerrava as palpebras e affigurava-se-lhe
entăo que desapparecera d'ali a meiga Paquinha, já gosada e por demais
conhecida. Julgava realmente possuir entre os braços a _extrangeira_, a
outra, aquella de nome desconhecido até, porém que elle adivinhava
deliciosamente bôa para ser assim estreitada com ternura e com frenesi
amada.
O phenomeno havia de ser descoberto, mais cedo ou mais tarde. Paquinha
presentiu-o, advinhou-o mais do que o percebera. Surprehendeu-o de uma
feita que o moço, colhido por ella com os braços enlaçantes, fizera
ligeiro movimento para furtar-lhe a bôcca á pressăo dos rôxos labios
sensuaes. Quę! repugnavam-lhe os beijos da amante! Retirou-se de junto
d'elle a filha do sertăo, dissimulando a pungitiva surpresa. A alcôva, a
mansăo aromatica e discreta onde tamanhas venturas desfructara, acolheu
por todo esse longo dia a lacrymosa hetaira.
N'um momento, desvendou-se-lhe a realidade aos olhos da alma angustiada:
era o tédio, o enfaro que vencera o companheiro estremecido! Que lhe
fizera ella, entretanto, para tornar-se-lhe menos interessante? Pois năo
tinha sempre os mesmos carinhos dos primitivos tempos, a completa
dedicaçăo que se requer entre seres ligados para a vida definitiva?
Passou em revista o seu modo de proceder, as phrases das mais pequenas
conversas, seus gestos, por insignificantes que fôssem. Com desespero,
interpellou a consciencia e esta mostrou-se tranquilla, convicta do
dever cumprido. Năo atinava com a razăo de tal mudança; bondosa de mais,
só a si mesma imputava a causa da molesta transiçăo. Desnudou-se ante o
largo espelho do guarda-roupa e, examinando o proprio corpo com olhares
imparciaes, como se fôssem os de outra pessôa, encontrou-se
correctissima de fórmas, seductora de juventude e belleza. D'aquelle
corpo, que poucos haviam possuido, que encantos lhe recusara ella? Esta
interrogaçăo avultou entre todas, sobrelevando-as. Linha d'elle năo
havia que lhe năo tivesse sido offertada em holocausto, aos cariciosos
contactos dos labios sussurrantes de osculos, nos immortaes momentos de
voluptuosa vesania. Todo o seu formoso sęr, tăo appetitoso como um
fructo equatorial, fôra-lhe dado sem complicados pudores, no
incondicional sacrificio de immenso amor, sincero e simples. Tambem
havia-lhe sido fiel, como as mais puras mulheres, e docemente
respeitosa, e patriciamente digna, em todas as relaçőes fóra dos ambitos
da alcova. Que mais desejava Julio?
Chorando sempre, arrependeu-se quasi de lhe năo ter poupado a visăo
completa da sua pessoa. Segredos supremos, se os houvesse guardado, como
avára, poderia agora descobrir-lh'os e com elles talvez conseguisse
reconquistar o imperio que previa já perdido para sempre... para
sempre...
Um desconsolo constringiu-lhe a garganta, com amargura. E o pranto, que
entăo verteu, foi o mais sentido com que já regara o seu infortunio a
neta da cabocla de Ourém.
* * * * *
Năo eram essas as derradeiras lagrymas que Paquinha havia de chorar,
baptizando o seu desventurado amor. Tinha de resgatar com outras
provaçőes mais pungentes a anterior volubilidade, o desprezo a que
votara as legiőes de adoradores, alfim vingados por Julio.
Logo depois da fatal desillusăo, quiz tentar captival-o de novo, rehaver
o primitivo dominio na alma do mancebo. Fez-se entăo humilde, muito
humilde, quasi servil,--requintando a meiguice dos affagos no anceio de
conservar-lhe a affeiçăo e achando ainda ineffaveis carinhos no
inextinguivel thesoiro da sua alma attribulada. Quasi năo falava,
temendo chocal-o por alguma phrase menos justa, ou de duplo sentido; mas
toda a eloquencia das doces expressőes saltava-lhe dos olhos, em vivos
lampejos enamorados. Tudo inutil, ai! Esta mesma passividade, a que o
rapaz ficara indifferente ao principio, chegou depois a irrital-o; e,
d'uma feita, ao cabo de longo silencio de apaixonada contemplaçăo da
amante, ergueu-se elle, exclamando:
--Que diabo tens tu, mulher? Pareces uma lesma! Arre!
E, tomando o chapéu, foi-se para a rua.
Năo voltou á tarde. Toda a noite, esperou-o Paquinha debalde. Cada bond
que subia da cidade trazia na coloraçăo dos pharoes fulgores da
esperança d'aquella creatura; mas tambem levava a sua angustia mais
negra quando ultrapassava a porta do jardim, afastando estrada a fóra o
arruido das rodas. O insondavel tormento durou ainda no outro dia. Só á
tarde, parou um carro á porta. Correu Paquinha a receber o amante,--que
outrem năo esperava ella, prestes a perdoar tudo a troco de um beijo
compassivo. Surgiu-lhe deante o cocheiro, extendendo uma carta. Em dez
linhas, Julio despedia-se da rapariga, allegando ter notado que a sua
companhia, d'elle, já lhe năo offerecia encantos!
Foi esta ferina evasiva que mais doeu na alma de Paquinha. Nem um só
momento pensou em dissuadir Julio, cuja perversidade, assim tăo
cruamente cynica, chegou quasi a revoltal-a. Que o desengano era
definitivo, sem remissăo, comprehendeu-o logo; mas o seu amor-proprio,
de tal arte aviltado, teve a força de suffocar o sentimento do abandono.
E a cabocla chorou entăo de raiva,--porque as lagrymas do amor
incomprehendido tinham sido todas derramadas quando ella ainda pensava
existir no moço uma alma digna de possuir-lhe a immensa paixăo.
No dia seguinte, cedo, Paquinha mandou chamar um leiloeiro e vendeu-lhe
os moveis pela quinta parte do real valor. Horas depois, vestida com
simplicidade, levando n'uma só mala as poucas roupas preferidas, seguia
para Ourém,--n'uma lancha fretada, com importante agio, pelo mesmo
comprador das alfaias.
Quando a embarcaçăo deu as primeiras voltas de helice,--a joven tapuia,
sentada á pôpa, envolveu a cidade n'um longo, inexprimivel olhar de
odio. Descendo por traz da ilha das Onças, o sol rutilava, magnifico; e
os milhares de vidraças, pelas janellas da casaria, no littoral, como
que retribuiram-lhe esse olhar n'uma deslumbrante reverberaçăo
incendida. Mas Paquinha volvera as pupillas para o alto, para o nascente
e viu que o ceu, d'uma serenidade auspiciosa, arredondava a pureza da
sua cupula toda azul, misericordiosamente, sobre a terra e sobre as
aguas.
Cabocla,--supersticiosa. Paquinha inferiu gratos augurios d'esse
tranquillo aspecto do espaço. Se o nascente assim promissor estava,
porque năo havia ella de tornar a crer no futuro e esperar o almejado
socego para a sua pequenina alma dolorida, cuidando dos derradeiros dias
da măe de sua măe? A esperança do amor trouxera-a um dia, aguas abaixo;
restituia-a o amor da esperança no bem-estar da consciencia.
Foi com taes sentimentos que regressou ao lar da saudosa avó, na
insipidez lacustre do logarejo paraense, a neta da cabocla de Ourém.
O BANHO DA TAPUIA
O BANHO DA TAPUIA
Clareara ha pouco a manhă e o dia annunciava-se formoso, na serena pompa
das galas equatoriaes. Todo o céu escancarava a limpidez da abobada de
turqueza, á espera do sol. Tenue viraçăo suspirava nas ramarias do
matto, d'onde vinham o papaguear dos periquitos, arrulhos de rôlas,
trinados de aves invisiveis. Pela praia arenosa, as garças, poisadas
sobre folhagens rasteiras, similhavam grandes, extranhas flôres de
immaculada alvura. E rente á agua, atravessando o rio caudaloso, um
bando de marrecas desdobrava a escura fita do seu vôo compassado, quasi
de margem a margem.
No alto da ribanceira, ao fim do caminho do _sitio_, entre dunas
verdejantes de ajurús, appareceu Hortencia, a joven tapuia. Vinha
estremunhada ainda. Nas palpebras, que longos cilios ensombravam,
demoravam-se preguiças de somno. A humida polpa dos labios tinha esboços
de bocejos. O farto cabello, preso pelo pente de tartaruga ao alto da
cabecinha doidivanas, a custo se fixava ali, năo tăo bem que, rebelde,
năo formasse dos dois lados da nuca, sobre os hombros, pesadas quedas
sedosas.
Deteve-se a rapariga, mordiscando folhas silvestres. Seu olhar devassou
o listrăo serpeante do rio deserto de embarcaçőes e foi-se para o alto,
a mirar o nascente enrubescido. Mas a frescura da riba fustigou-lhe os
tenros membros mal vestidos pelo saiote curto e pela camisinha branca,
de rendado decote. Estremeceu Hortencia n'um arrepio e, alongando os
braços, gemeu voluptuosa no derradeiro espreguiçamento matinal. E, já
deslaçando o cós da saia, desceu a correr para a agua, pregosando a
delicia do banho.
Minutos depois, caíndo pelos quadris a camisinha cheirosa, Venus tapuia
ostentava na claridade da manhă o encanto irresistivel da sua juventude,
a triumphal perfeiçăo da sua nudez.
No mattagal, houve como um redobramento de canto de passarinhos, ao
tempo que o sol, vencendo a floresta, mordia com a tepidez dos primeiros
raios as carnes morenas de Hortencia. Chapinharam os pequeninos pés; a
frialdade liquida provocou brandos offęgos: começara o banho da tapuia.
* * * * *
Demorado tempo esteve a rapariga dentro da agua. Quem póde resistir á
tentaçăo d'um banho ao ar livre, na costa marajoara, pela manhă? Já o
sol, aguçando os quentes dardos, vencęra larga distancia pelo espaço. A
ella, porém, pouco importavam os insidiosos ataques do astro. Sem parar
um momento, ora percorria consideraveis extensőes a nado, á flôr do rio,
ora caprichava em experimentar o proprio fôlego, com aturados mergulhos.
Quando emergia a formosa cabeça atraz da qual a correnteza espalhava a
negra cabelleira, tinha nos olhos uma jucunda expressăo de gaudio,
tentadoramente. Ali estava uma das mais requestadas mulheres de Soure,
ignorante dos proprios meritos, apenas interessada no desfructe das
sensaçőes de bem-estar proporcionadas pela immersăo no rio. No entanto,
descrer da existencia das sereias amazonicas certo năo poderia quem a
visse entăo, no banho, erguendo sobre a superficie das aguas o bronzeado
busto palpitante, de que se destacavam, n'uma seducçăo vertiginosa, as
linhas correctissimas dos pequenos seios virginaes.
Taes eram, por certo, as reflexőes que tambem estava a fazer, mirando-a,
o negro Manoel, por entre as folhagens que limitam o areial da praia.
Filho de africanos, enamorado, atrevera-se a amar Hortencia. Feio e
boçal, bem comprehendera a impossibilidade d'esta paixăo pela creatura
que tantas vezes repudiara varonis caboclos das fazendas e até dengosos
brancos da cidade. Mas o que năo pudera evitar e ninguem no mundo
conseguiria impedil-o, era essa quotidiana emboscada, para a ver no
banho. Cada dia, năo trinavam ainda os primeiros pipillos dos passaros,
já elle estava entre os monticulos de areia, agachado na verdura, á
espera da tapuia. Enxergal-a núa, era o seu goso supręmo. Năo lhe perdia
um gesto; nem uma só linha d'aquelle corpo desejado deixava de ser
perscrutado, beijado, deflorado pela sua lascivia de hottentote.
Concentrava nos olhos todos os arrancos d'um vigoroso anceio de posse.
Os appetites libidinosos da sua raça ferviam-lhe no peito, á vista da
rapariga. Entretanto, jamais ousara sair-lhe ao encontro. É que o receio
de uma repulsa quasi certa e a consequente descoberta do seu criminoso
recurso, detinham-lhe o atrevimento, limitando-o hoje á mesma observaçăo
inerte de muitos mezes antes. E quem o divisasse mais de uma vez ali
parado perante a conturbativa visăo, diria erroneamente que, á força de
a admirar com respeito, o negro alfim depurara os desejos,
transmudando-os em culto á belleza incoercivel.
* * * * *
O momento, porém, que elle, o africano sordido, mais prezava, era
aquelle em que Hortencia, saindo da agua, vinha seccar aos toques da
brisa a nudez amena do corpo. Eil-a justamente que náda para a beira,
fatigada emfim dos prolongados brincos. Já tomou pé e a pouco e pouco
vęm apparecendo os braços, o busto com os seios e a doce curva
abdominal, os quadris salientes, as roliças pernas, toda a perfeiçăo de
linhas feminis; já palmilha sobre a areia, que lhe cobre os pés como com
um par de sandalias de missanguinhas brilhantes. E agora, o mádido corpo
fica erecto aos beijos do vento, emquanto os longos cabellos pendem
sobre as costas, gottejantes. É esta a feroz allucinaçăo do negro. Toda
a formosura da virgem ali está patente á sua vista, na magestade do
quadro paraense, saudado pelo trinar das aves. Bastar-lhe-ia dar alguns
passos, reflecte, e extender as măos, para alcançar e possuir tamanha
perfeiçăo. Detém-n'o, comtudo, o receio de trahir-se. E o medo de perder
a posse mental da tapuia que o inhibe de saltar para junto d'ella,
bramando como caprípede silvano.
Innocente e tranquilla, sem desconfiar da luxuriosa surpresa, a
banhista, n'um gesto peculiar, que desvenda o emocionante emmaranhamento
das axillas, toma os cabellos, torce-os á direita, exgottando-os e os
ennastra em trança farta, que prende sobre a cabeça. Veste depois a
camisa, passando por ultimo a sáia de riscado azul. E ainda
amarrando-lhe o cós, dirige-se cantando por entre as dunas cobertas de
ajurús, até ao caminho que leva ao _sitio_.
Só entăo, o negro Manoel sae do mattagal, corre á praia, ao ponto onde,
momentos antes, estivera a tapuia. Tem os olhos injectados de sangue, os
labios entreabertos: arqueja. O rosto, coberto de ralos pellos que se
juntam em ponta bipartida sobre o mento, é bem o de um fauno espicaçado
pela animalidade da bérra. Revolve-se no chăo, gemendo em ancioso
deliquio de erotomano. E, para acalmar o vehemente anhelo insatisfeito,
espoja-se, crava os dentes no solo,--esfrega as faces e a fronte no
logar onde a agua, escorrendo do corpo da rapariga, tinha ensopado a
areia, enchendo-a de frescura.
Do seio da matta, sóbe, expirando á distancia, o canto jovial da tapuia;
e ali perto, qual ironia da floresta, uma ave sibila persistente a
escarninha palavra que lhe deu o nome:
--Bemtevi!
COMPLICAÇŐES PSYCHOLOGICAS
COMPLICAÇŐES PSYCHOLOGICAS
A CAMERINO ROCHA.
Velas soltas, bandeira topetada no mastro grande, o minusculo hiate de
Alfredo singrava galhardo as aguas do Guajará, em rumo do oceano.
Manhă clara, d'uma belleza diaphana e prazenteira. O rio tinha
scintillaçőes prateadas, fluindo n'uma suavidade infinita. Aqui e ali,
para os lados da foz, os pannos das embarcaçőes tapuias espalmavam-se no
horizonte, destacadas em vivo contraste sobre o azul esplendente do céu.
Em terra, traquinando, borboletas enormes polvilhavam sobre os aningaes
das margens a luminosa poeira das azas pintalgadas. E toda a vida das
mattas alevantava-se em gorgeios, grasnidos e aromas.
A bordo do _Nymphéa_, na diminuta coberta, acabara agora mesmo o serviço
do café matinal. Chicaras disseminadas pelos bancos da amurada
rescendiam ainda do alegre cheiro da infusăo escaldante; e já os
cigarros de optimo Bragança fumegavam,--emquanto ao arruido da palestra
juntava-se, á meia-nau, o ranger dos moitőes e cabos do velame
desfraldado.
De irreprehensivel córte, a nave offerecia interior e externamente uma
perfeiçăo de linhas e uma limpeza completa. N'ella estava a mirar-se,
orgulhoso, o proprietario, ali deitado, á popa, em fina rede branca de
fio de carretel. Eis a sua maior dita, viajar no pequeno hiate, veleiro
e gracioso. Nem a certeza dos bens pecuniarios herdados annos antes, nem
a seducçăo das valsas em que rodopiara outr'ora pelos salőes á moda,
enlaçando frageis bustos de morenitas capitosas,--tiveram jamais para
Alfredo similhante dom de encantamento, esta vertigem ineffavel, que
recebia ao deslizar, á flôr das ondas, caminho do Atlantico, a bordo da
sua adorada miniatura de navio. Era, com effeito, um jubilo vehemente e
incomparavel, uma sensaçăo de liberdade, que o exaltava em deliciosos
arroubos. Julgava-se entăo um sęr á parte, um privilegiado da
vida,--predestinada creatura para quem o dinheiro, longe de tornar-se
elemento de desequilibrio mental, com a allucinaçăo das grandezas, fôra
apenas o meio de realizar aspiraçőes de isolamento que o afastassem, com
intermissőes felizes, do convivio commum. E cada vez que assim velejava
sobre a agua, na manhă triumphal, suas conversas com o mestre eram menos
uma palestra coordenada, do que expansőes da alma enthusiasmada por
estas fugas maritimas, em meio á rude gente da faina.
O mancebo sorvia em largos haustos a brisa experta do largo; e,
impellindo a ręde com o bico do pé de encontro á antepára metallica da
amurada, exclamava n'um soliloquio enlevado:
--Voga, _Nymphéa_! Voga, meu hiate! Além, n'uma enseadasinha da costa
assoalhada e calma,--é o socego infinito que nos aguarda: a ti, os
beijos cadenciados das vagas; a mim, os osculos da unica mulher
verdadeiramente sincera que já encontrei!
E seus olhos, percorrendo a coberta, beijavam tambem, com ternuras de
pae, os ambitos do hiate.
* * * * *
Podia-se affirmar que estava ali um homem verdadeiramente experimentado.
Herdeiro unico de grande fortuna, que o pae amoedara na vida commercial,
em Belém, Alfredo vira-se emancipado, independente e cheio de saude, aos
20 annos de edade.
Os primeiros tempos decorridos após a morte de seu progenitor fôram para
elle uma incessante peregrinaçăo pelos mais remotos paizes. Sequioso de
novidade, partira da terra paraense com a pasta pejada de cartas
d'ordens sobre bancos de além-mar e a alma transbordante da ancia de
tudo ver e fruir. A febre do açodamento juvenil espicaçava-lhe a
indomita curiosidade. Viajou toda a Europa, n'um grande goso de
intellectual aproveitado. Passou depois ao Oriente, cujo exotismo
tamanhas tentaçőes lhe offerecęra desde a adolescencia; e assim
percorreu extranhos paizes de lenda, rebuscando embalde as phantasias
dos poetas nas decepçőes da desillusoria realidade. Mas, cançado o
proprio idéal, tornou á civilisaçăo do Occidente, cujas requintadas
complicaçőes ainda mais o intrigaram, após a recente digressăo ás terras
do paganismo.
De toda a parte, surdiam-lhe duvidas ponderaveis,--terriveis incognitas
dos problemas sociologicos, que a sua alma, de tendencias equitativas,
em văo queria resolver. Onde está a justiça, na pratica humana?
Esta hesitaçăo, esta irresoluta indecisăo que nada satisfazia, bem lhe
dava a entender quăo mesquinhas e oscillantes săo as bases em que a
sociedade assenta os principios com os quaes pretende reger-se.
Chegou-lhe entăo o primeiro engulho do primeiro enfaro: aos 25 annos!
Foi por causa d'esta decepçăo que resolvera fugir da Europa. Embarcou
para o novo mundo, em direcçăo aos Estados-Unidos. Ao principio, teve um
deslumbramento sem par. Aquella admiravel actividade das populaçőes
operosas, congregadas á voz do capital omnipotente em torno ás
fornalhas, ás bigornas, ás machinas, ás retortas,--aquella actividade
unica chegou a fazer-lhe vertigens de enthusiasmo. Ali encontrava elle,
alfim, o idéal da raça humana, buliçosa na incessante producçăo, colmeia
enorme compenetrada de que a rapidez da vida năo permitte mais um
instante de folga sem prejuizo immediato.
Comtudo, um curto exame de poucos dias revelou-lhe que os mesmos vicios
de origem lá campeavam também, trazidos no sangue europeu. A materia
podia agir com afinco maior; mas o espirito soffria de identicas
enfermidades,--a sęde das aspiraçőes irrealizadas, o embate dos
preconceitos, a agrura das competencias politicas e industriaes, toda a
emmaranhada engrenagem das miserias de um seculo de egoistica injustiça
a arrastar e esmagar os fracos, os desprotegidos, os simples.
Abalou, por isso, terras a fóra. Veiu á America Central,--emblema da
inconstancia da vida na inconstancia dos seus governos e leis. Sem
deter-se, ultrapassou o isthmo, desceu mais ao sul, transpondo os
alcantis dos Andes, e remirou as faces emaciadas na fria onda marulhosa
do estreito de Magalhăes. Além, nos paizes de idioma espanhol,
aguardava-o uma surpresa dolorosa. Habituara-se a ouvir tratarem-n'os de
_republiquetas_ e fôram, na maioria, fortes naçőes progressistas que se
lhe depararam. Onde pensava achar povos depauperados e cidades
estacionarias, encontrou uma raça viril e ardorosa, e capitaes
magnificas, e bellos nucleos urbanos, de feiçăo moderna, amplamente
revolvidos e reedificados sob a direcçăo de intelligentes patriotas. E a
convicçăo de que, mais uma vez, andara errada a balofa ignorancia do
chauvinismo brazilico, trouxe-lhe aos olhos duas lagrymas sinceras e uma
nova desillusăo ao fundo da alma angustiada.
Foi após este derradeiro desgosto que regressou ao Brazil.
* * * * *
Vogava sempre a embarcaçăo, aguas a baixo, impellida na dupla força do
vento e da correnteza. Andava na claridade do espaço a hilariante
alegria dos bellos domingos nortistas. A natureza em torno possuia,
n'essa manhă, uma apparencia de tranquilidade edénica, propicia ás
meditaçőes de Alfredo.
Sempre extendido na ręde, a baloiçar-se, fumando consecutivas
cigarrilhas, o moço passava em revista, no kaleidoscopio da alma, as
peregrinaçőes de antanho. Como essa quadra agitada sumira-se fugace!
Perdia-se agora nos longos esbatidos das simples recordaçőes da primeira
juventude. Viagens; vae-vem do bulicio humano em grandes centros
populosos; cavalgatas pelas lezirias do Tejo e nas steppes russas;
ascencőes alpinas; travessias perigosas de barrancos na Persia e
cataractas americanas,--tudo ficava atraz, sem saudades, na meia-sombra
dos factos abandonados, para cuja observancia o tempo lhe assignalava um
sitio impessoal, de simples espectador desilludido.
Só lhe interessava agora o presente, que elle resumia no hiate e em
certa caboclinha, amante estremecida. Para esta ultima eram os seus
garbos de cavalheiro e os seus mais assiduos pensamentos de namorado. De
que servia o passado, se representava apenas a sombra de emoçőes
extinctas? A propria lembrança de antigos amores năo tinha mais a força
de desviar-lhe a attençăo por longos minutos nem de arrancar-lhe um
suspiro mais accentuado. E, comtudo, se, n'outros tempos, lhe affirmasse
alguém que tal houvera de succeder, quiçá arriscasse ouvir experta
reprimenda!
Fôssem lá dizer-lhe que as seducçőes da tapuia paraense, mimosa e
ingenua,--duas vezes adoravel pela graça e pela ignorancia
timida,--seriam capazes de o transportar aos requintes da ventura,
absorvendo-o de corpo e alma, perennemente, e purificando-o dos
primitivos contactos como n'uma piscina miraculosa... Protestaria de
certo, e com vehemencia. Mas a realidade era essa, entretanto...
No decorrer das viagens, claro está que o amor,--ao menos o que pensamos
dever ser o amor, aos 25 annos,--occupou-lhe bôa parte dos sonhos e
vigilias. O seu album de recordaçőes amorosas offerecia uma admiravel
serie complexa de perfis femininos, collecçăo cosmopolita, que abrangia
desde a irresistivel parisiense até á fascinante bayadera, da _mousmé_,
extranha na coloraçăo estridente dos garridos arrebiques, á simples
gentia sul-americana, melancholica e bondosa na sua passividade
fatalista. E havia tambem flôres de oppostos climas, fitas, amuletos,
cartas,--um delicado muzeu de objectos desbotados, trescalando o vago
odor das coisas esquecidas.
Era tudo isto que desfilava pela mente de Alfredo, n'esse mesmo
instante. Aprazia-lhe, ás vezes, no capricho da sua volupia, evocar
assim antigas epochas e rememorar passadas peripecias prazenteiras, para
melhor fruir a actual ventura do seu grande e saboroso amor da
maturidade. Nenhuma paixăo fôra comparavel a esta, que tamanhas
attençőes lhe merecia. Das sensaçőes antigas, nem o resabio lhe ficara,
ao toque do intenso affecto de hoje, tăo fundo lhe invadira elle a alma,
com a obsidiaçăo abençoada de predilecta tyrannia. E por vezes,
revolvendo papeis velhos, quedava-se interdicto, quasi envergonhado, ao
lobrigar uma florzinha murcha ou triste cacho de cabellos descorados;
interdicto, por ter-lhes esquecido a procedencia, envergonhado de
havel-os guardado por tanto tempo, assim avaramente, quando nem o
coraçăo conservara o sentimento que os tornara valiosos, nem a memoria
voluvel pudéra reter-lhes a lembrança.
Tudo passara, na dissolvencia dos sonhos, na voragem dos annos. Illusőes
patrioticas e enthusiasmo pelos gosos instaveis, tragara-os o tempo,
impassivelmente. Alfredo năo lamentava este resultado; pelo contrario,
sentia-se feliz ao verificar que o coraçăo, liberto de antigas peias,
estava apto a consagrar toda a energia affectiva ao doce culto de um só
amor, espontaneo e livre, no seio olente da floresta compassiva.
Suas aspiraçőes de reformas radicaes, seus impulsos para a propaganda em
prol dos idéaes regeneradores da sociedade, perderam tambem o ardor
militante de outrora. Evidentemente, a noçăo de uma exacta justiça é o
paradoxo mais extranho que a razăo illogica do homem creou n'um dia de
sarcasmo, para o proprio engodo. Entăo, de nada valia esbofar-se em
santo frenesi, conclamando a necessidade da restauraçăo dos principios
equitativos. A maldade humana predominaria para todo o sempre,
irresistivel, vencedora. Restava-lhe, pois, submetter-se ao embate da
onda larga da convençăo. E, vencido, era nos arcanos de um novo amor que
elle, ao mesmo tempo incredulo e piedoso, levado velozmente pelo
minusculo hiate, na clara manhă assolhada, ia buscar o doce balsamo dos
beijos sinceros, o supremo conforto para as tremendas desillusőes que as
complicaçőes psychologicas lhe proporcionaram.
UM CASO DA CABANADA
UM CASO DA CABANADA
Pelo Săo Joăo, fizera Maria trese annos; e os paes haviam decidido que a
primeira communhăo se realizasse no domingo de Paschoa do anno proximo,
á missa da festa, na matriz da villa. Padre Constancio, o vigario,
andava entăo a preparal-a, bondosamente. Todas as tardes, mal terminava
a leitura de vesperas, no breviario, lá vinha elle azinhagas adeante,
caminho da palhoça dos pescadores. Corria a pequena a recebel-o, pés
descalços, curto o saiote, a face illuminada n'um sorriso. Sob o cabeçăo
de retalhos, duas pequenas proeminencias desenhavam-se, accentuadas em
ponta, de cada lado do thorax. Mas o velho sacerdote, que esses dois
delicados pólos parecia haverem um instante interessado, baixava os
olhos com perfeita serenidade.
--Como vae essa força? inquiria prazenteiro.
Conversava um momento com o casal caboclo sobre assumptos
insignificantes; depois, tranquilamente, vinha sentar-se á porta, ao pé
do enorme tamarindeiro, sorvendo uma pitada. E começavam as praticas
religiosas.
Maria escutava as explicaçőes do catecismo, os olhos pregados na face do
padre, n'essa fixidez conturbativa com que as donzellas innocentes
encaram os homens.
Muito calmo, ia o vigario repetindo e commentando as phrases da
Cartilha. Acompanhava-o a caboclinha, a meia voz, a seguir-lhe as
palavras, n'uma grande concentraçăo reveladora do ardente desejo de
conquistar, com as boas graças do clerigo, os biscoitos que
infallivelmente annunciavam o termo das prelecçőes. Depois, noite
cerrada já, erguia-se Constancio, esvasiava o bolso da sotaina sobre a
mesa do copiar e, com uma palavra amavel para cada qual, abençoava a
rapariga e regressava ao povoado, aspirando novas pitadas. Dos dois
lados do carreiro, grillos trillavam monotonamente e, por cima dos
arbustos cheirosos, tremeluziam com irrequietas phosphorescencias os
vagalumes.
* * * * *
Uma tarde, mezes depois, havia recolhido a procissăo de Ramos. O adro da
matriz regorgitava de gente endomingada. Toda a populaçăo seguira, ha
pouco, o pallio venerando, cujas varas o juiz de direito, o presidente
da edilidade, o promotor e o delegado de policia empunhavam
orgulhosamente.
Sabia-se já que rebentara na capital o movimento da cabanada. Canôas,
tripuladas por valentes remadores, haviam trazido, com innumeros
fugitivos, a nova da revoluçăo tremenda. E os pormenores,
exaggeradamente relatados pelos brancos, tinham demovido o vigario
Constancio e as auctoridades a um redobramento de pompa nas festas da
Semana Santa,--a ver se Deus fazia passar a villa immune do ataque dos
cabanos.
A tarde caía em doce esvaimento, por traz da floresta. Deslisava
tranquillo o rio, espelhando nuvens preguiçosas. Havia por toda a parte
o tom suave das côres vespertinas, diluidas na fluidez das sombras
incipientes. Apenas do outro lado, na margem opposta, um derradeiro raio
do sol enrubescia o areial da praia, sobre o qual um bando de gaivotas
revoava, crocitando.
A villa em peso acudira á solennidade, attrahida pelo repique jovial dos
sinos. Por entre as portas escancaradas vinham de junto do altar-mór
adocicadas emanaçőes de thuribulos; o fumo azulado do incenso evolava-se
muito subtil para o alto, como a imagem das aspiraçőes geraes. E as
mulheres, lá dentro, oravam contrictas, duplicando as preces ao
ceu,--que năo viessem os cabanos trazer até acolá as infamias cuja
narrativa era bastante para levantar-lhes os cabellos apavoradamente.
* * * * *
A subitas, um murmurio na matriz annunciou que ia começar o sermăo.
Houve no adro um movimento de refluxo; afinal, mais ou menos toda gente
penetrou na egreja. Raros homens ficaram saboreando as ultimas
cachimbadas nos rechinantes taquarys de Cametá. Um minuto depois, erecto
no pulpito, pallido na alvura engommada da sobrepeliz de rendas, padre
Constancio dominava o auditorio com a singeleza da sua palavra
despretenciosa.
Appareceu entăo na praça que antecede o adro um grupo de homens
desconhecidos: quatro caboclos de féra catadura olhavam para tudo e para
todos, como se visitassem a localidade pela vez primeira. Buscavam,
tanto quanto possivel, que ninguem os visse; e auxiliava-os a gosto uma
grande moita da carrapateiros, ahi deixados pela foice descuidosa dos
capinadores municipaes ou pelo capricho do sacristăo, que era o
superintendente do asseio do sitio.
Ia vindo a noitinha. O ceu fizera-se antes da côr da perola, mas a pouco
e pouco ensombrava este matiz com as tintas da sua palheta nocticolor.
Tauxiaçőes indecisas de estrellinhas palpitantes picavam-se aqui e ali,
na sombria abobada. Volitavam auras fagueiras e, por toda a parte,
invisiveis insectos zumbiam. Só o areial da praia fronteira extendia
pela orla da floresta um listrăo claro, como se houvesse absorvido e
conservasse o quente rubor do raio de sol que estivera a mordel-o pouco
antes.
De repente, estrondou um tiro no adro; a chamma scintillou com viva
fulgencia no crepusculo expirante. Um dos caboclos avançava, já affoito,
do meio dos carrapateiros. Na matriz foi um só o presentimento geral: os
cabanos! Padre Constancio quasi desmaia no pulpito, muito pallido, sem
voz. E nem desvanecido estava o sobresalto da primeira surpresa e já
toda gente pensava em correr a casa e encerrar-se. Mulheres levavam as
măos á cabeça, chamando os filhos, gemendo de mansinho umas,
lamentando-se outras em altos gritos. Uma consternaçăo! Pensar na
resistencia ninguem poderia fazel-o. A villa, bonacheirona, confiara ao
ceu a tarefa de a livrar dos rebeldes: entre todos os habitantes năo
seria facil encontrar e reunir mais de meia duzia de espingardas. Que
calamidade! Deu-se entăo, por todos os lados, uma desordem,--os
atropellos, a algazarra dos grandes panicos. Buscava-se a porta
principal, com fernesi. No entanto, a affluencia do povo formara uma
columna espessa, demasiado larga, e năo tardaram as compressőes.
Creanças e mulheres estertoravam sob o sapateio dos fugitivos. Do adro
vinha a grita dos cabanos, já senhores da localidade.
Tremendo entăo pelas suas amadas ovelhas, sopesando a responsabilidade
em que incorrera, padre Constancio deixou-se cair genuflexo e levantou
as măos, do lado do altar, com desvairado fervor.
* * * * *
Os cabanos tinham vindo por terra surprehender a villa em plena festa de
Ramos. Guiara-os pelo matto o Mané Xico, o inimigo do juiz de direito,
ficando no furo da Jararaca, a duas milhas de distancia, as numerosas
canoas da expediçăo rebelde.
Quando os primeiros fugitivos sairam para o adro, já a praça contigua
estava occupada pelos cabanos, em numero superior a duzentos, muito bem
armados. Capitaneava-os o Borba, feroz caudilho que Angelim distinguira
como chefe das operaçőes n'aquellas bandas. Este individuo votava
profunda ogerisa ao vigario: jamais lhe perdoaria a reprimenda com que,
um anno antes, o fulminara, em Curralinho, por ter esbofeteado a propria
mulher. Que bello ensejo entăo para pregar-lhe uma peça! Chamou o seu
logar-tenente e mandou buscar o padre.
Veiu logo o sacerdote, com a sobrepeliz amarrotada, a estola do avęsso,
todo elle tremendo como a sururina moribunda.
--Ora passe p'ra 'qui, seu fradalhăo! gritou-lhe o Borba, mal o avistou
entre dois cabanos, ameaçadoramente armados de clavinotes. E logo
ordenou que fôssem buscar tambem a Mariasinha, filha do pescador Sabá.
Quatro grandes fogueiras, accęsas por ordem do chefe, illuminavam o
recinto. Ninguem mais ousara fugir; o povo agrupava-se pelo adro e pela
praça, em recolhida attitude, quasi sem movimentos, temeroso da morte.
Eram tăo maus os cabanos! Havia pelos grupos feminis silenciosos
soluços. Lancinante quadro, em verdade e por elle é que o anciăo chorava
também perdidamente.
--Faça-me soffrer, exclamou, porém năo persiga esta boa gente!
--Cale a bôcca, idiota! respondeu-lhe o Borba, n'um meio sorriso que a
todos apavorou mais do que a maior das ameaças.
Entretanto, acercava-se um troço de rebeldes, trazendo comsigo Maria,
discipula de Constancio. Que vinha por seus pés quasi năo se poderia
affirmar, pois era ao collo que o mais espadaúdo caboclo a conduzia,
semi-morta de mędo.
Borba tomou petulante attitude, cofiando as raras répas do bigode falho,
sempre a sorrir. Ordenou:
--Padre Constancio, passe á frente!
Arriscou o sacerdote algumas pernadas trôpegas.
--Aqui, ao lado da Mariasinha, tornou a dizer o chefe.
Constancio approximou-se.
--E agora, intimou o caudilho; se quizer, dę um beijo na cunhantan. Eu
sei que vocę gosta d'ella. Pois despeça-se!
E, voltando-se para os companheiros, explicou em voz fortissima:
--Deliberei repudiar a vibora de minha mulher, amigos, e casar-me com
outra rapariga. Convido-os para assistirem á ceremonia que padre
Constancio, bem contra vontade, celebrará agora mesmo. A egreja está
preparada e a noiva é esta!
E designava a mimosa discipula do padre, cuja primeira communhăo fôra
marcada para o proximo domingo.
Năo pôde o povo dominar uma exclamaçăo de surpresa e repugnancia. Ao que
logo retorquiu o cabano:
--Que ninguem arrede d'ahi. O socego é a condiçăo da vida dos habitantes
da localidade.
E tomando a caboclinha nos braços, levou-a para o templo. Constancio,
barafustando, protestava aos gritos, arrastado por dois sicarios.
* * * * *
O desenlace do caso é evidente: recusando-se a satisfazer ao sicario, o
padre foi assassinado sobre os degraus do altar. Mas nem por isso a
cheirosa e innocente Mariasinha deixou de ser, d'entăo em deante, a
concubina do caudilho, que a violou ali mesmo, na sacristia.
Só por tal preço os cabanos abandonaram a localidade, na manhă seguinte.
UM COMO TANTOS
UM COMO TANTOS
PARA O LICINIO SILVA, ESTA OBSERVAÇĂO.
Haviam já passado para Nazareth, de volta do Vero-peso, os derradeiros
bonds do espectaculo. A pouco e pouco, os peőes tinham rareado no
cimento dos largos passeios das avenidas,--o transito fizera-se nullo,
um ou outro noctivago impenitente andava errante á sombra propicia das
folhudas mangueiras, investigando a distancia com olhares incendidos de
uma ponta de lubricidade contida a contra-gosto. Nos renques da
illuminaçăo electrica manifestavam-se eclipses intermittentes, contra os
quaes praguejava, sem bem saber porquę, o cocheiro d'uma carruagem
estacionada em frente ao Club Universal. Poucas mesas restavam no
terraço do Café Riche. Entretanto, um creado somnolento, năo obstante a
ausencia de frequentadores, persistia, pelo habito, em dispôl-as em
symetria, rodeando-as de cadeiras. O chăo estava zebrado de humidades
adocicadas, escorrido de Apollinaris transbordante, coalhado de rolhas,
aqui e acolá brilhante de pedaços de capsulas das garrafas de cerveja.
Perto, gania um căo. Mas outro cachorro irrompęra do centro da enorme
praça, viera em linha recta, cabeça baixa e cauda erguida, para junto
d'aquelle e, após as rapidas saudaçőes peculiares, fôram-se ambos,
General Gurjăo a baixo. Liberrimos animaes!
Silverio, meio voltado para a esquerda, acompanhara-os com a vista,
distrahidamente; até desapparecerem na silente escuridăo da rua. Estava
sentado n'um banco, havia muitas horas, defronte da curva dos bonds. O
olhar avistara um cartaz collado á parede da Casa Adolpho: uma
parisiense, com a saia batida pelo rijo vento de Montmartre, puxava um
carro-annuncio, formoso preconicio do estabelecimento. Pareceu-lhe que a
sua situaçăo moral estava em analogia com o quadro, afora os matizes
garridos. Elle tambem andava atrelado ao carro da vida, fustigado e
zurzido pelo tufăo dos dissabores domesticos. As tintas, porém, com que
se devęra pintar a sua existencia tinham de ser amassadas na palheta das
desditas,--toda a gamma sombria das cores carregadas, desde o roxo dos
goivos ao negro da infelicidade.
Desviou a vista do obsidiante cartaz, pois năo fôra para atiçar tristes
lembranças que saíra de casa. Bem ao contrario, necessitava de distrahir
o espirito, refrescar o cerebro na suave tranquillidade da noite, em
plena praça. Tirou o chapéu, conservando-o na măo direita e extendeu os
braços pelo espaldar do banco. A cabeça, de largas entradas, pendeu para
traz: dir-se-ia um crucificado; e o olhar foi ao alto, cravou-se na
insondavel amplidăo do espaço, ao fundo da qual phosphoresciam
estrellas, aos milhares. Afundou-se entăo na tremenda reviviscencia dos
seus infortunios.
--Lá vae ella outra vez, bradou alguém, á direita.
Silverio, com um estremeçăo, voltou á vida exterior, buscando descobrir
quem falava. Era o cocheiro,--o Cadete ou o Bruzegas,--á porta do Club,
encarapitado na bolęa, a denunciar em soliloquio cada intermissăo na luz
do foco electrico mais próximo.
--Feliz mortal, murmurou Silverio, invejoso da despreoccupaçăo d'aquelle
homem.
O Riche, a cuja porta cabeceava o proprietario, estava sempre
illuminado; e o servente, fatigado alfim de ordenar mesas e cadeiras que
ninguém desarrumava, ia toscanejando, mesmo de pé, escorado á cęrca de
uma das mangueiras. Cessara de todo o movimento de transeuntes. Os
demais cafés da avenida haviam fechado. Pelas janellas abertas do
Universal, desciam ondas da illuminacăo dos salőes desertos. Nos dois
passeios, varredores urbanos passavam sobre o cimento, em largos gestos,
longas vassoiras de sacahys. E bem adeante de si, viu Silverio, ao meio
do enorme quadrilongo, com o pedestal rodeado de fulgurantes globos
electricos, erecta no alto da desproporcionada columna, a estatua da
Liberdade, emergindo por sobre a folhagem da arborisaçăo.
--Liberdade! Năo ser eu também livre! murmurou suspirando. E, mau grado
o seu empenho em distrahir as idéas, voltou a concentrar-se nas maguadas
recordaçőes da propria desgraça.
Casado ha quatro annos, com uma compatriota, uma italiana, a quem aliás
déra logar em seu leito por um impulso de generosidade, ante a extrema
pobreza dos paes d'ella, a breve praso começou a verificar que
disparidades capitaes de genios e educaçăo os incompatibilisavam para a
vida commum. Ao principio, insignificantes arrufos chegaram a
offerecer-lhe um sabor novo na existencia: das pazes que se lhes seguiam
vinha um renascimento de ternura, uma ineffavel delicia para a
intimidade dos longos e mudos amplexos. Illusorios aperitivos, taes
amuos. A pouco e pouco avultaram, tomaram corpo, assumiram as proporçőes
de graves pendencias barulhentas. A mulher tinha a bóssa da loquacidade
desenvolvida; e, quando se enfurecia, eram interminaveis gritarias, que
o desesperavam na razăo directa do natural socegado e taciturno do
infeliz.
Aggravou-se depois esta situaçăo, já bem penosa, com a intromissăo dos
paes de Luiza. A sogra levou-lhe para o lar a contribuiçăo de torturas
ineditas. A cada gesto, a cada passo de Silverio, uma recriminaçăo.
Embalde buscava o pobre comprar a paz do lar á custa de pequenos
presentes para seus tres algozes: nada prestava, tudo de infima especie.
«Já viram homem tăo falto de gosto?» O Silverio experimentara ao
principio chamar á ordem a mulher, com o auxilio de raciocinios
discretos, arriscados a medo, mansamente, meigamente. Emtanto, por amor
dos dois filhinhos que tinham surgido entre accessos de raiva e curtas
calmarias, sacrificou todo o resquicio de sua virilidade moral:
recolheu-se ao impassivel silencio de quem acceita resignado a
brutalidade do destino. Quando rebentavam-lhe no lar os grandes
temporaes, recolhia-se a um quarto, embrulhava-se na ręde, tapava ambos
os ouvidos. E mulher e sogra, espicaçadas pela inesperada evasiva, iam
levar-lhe a saraivada das invectivas superagudas, esganiçadas em
falsete,--emquanto o sogro, impando da farta bonaxira de malandrim
obeso, fazia em voz cava os soturnos trovőes das ameaças: «Hei de
quebrar-te as pernas, căo!»
Todo o seu affecto reverteu para as duas creanças, um pequeno e uma
rapariguita adoraveis, que chegavam a ter graça, tal a sua candidez,
mesmo repetindo em timidos balbucios as calumniosas exclamaçőes da
velha: «Papae é mau! papae é feio!»
Feio, sim, e năo era por sua vontade que nascera com uma caraça
espalmada, que o sol da America do Sul tostara duramente. Mau, porém,
năo; e em silencio protestava contra o qualificativo. Dizia-lhe a
consciencia năo ser merecida a apostrophe; comtudo, sem escorraçar os
meninos com a mais leve sombra de censura, tomava-os ternamente pela
cinta, sentava-os ao collo, um em cada joelho, acariciava-os de manso,
amimava-os, cobrindo-os de beijos e de silenciosas lágrymas.
De tudo isto lembrava-se o desditoso Silverio, inerte no banco da
avenida, as pernas entorpecidas pela demorada immobilidade. Ainda ha
pouco, ao anoitecer, houvera em casa uma terrivel scena. Persuadira-se
Luiza estar o marido auferindo grandes lucros n'uma industria inaugurada
mezes antes, lucros que desviava ás occultas para a Europa. E deu para
exigir-lhe «a sua parte no negocio». Sogro e sogra tinham acudido com
argumentos e gritos: «De certo, é preciso pintar já para aqui os
cobres!» E, desenvolvendo preceitos juridicos, explicava o velhote que
«a năo cohabitaçăo material dos conjuges recolhidos sob o mesmo tecto
năo impedia a co-participaçăo na pecunia». Dispensou-se de se desculpar,
o Silverio; e, para năo irem mais longe os brados, que estavam já a
incommodar a vizinhança, tomou dissimuladamente o chapéu, fugiu
precipite rua adeante, até á avenida. Ali, ao menos, estava fóra da
socerina alçada. Safa!
A vista da estatua suscitara-lhe a nostalgia da liberdade. Relanceou um
olhar pelo passado, desde a sua chegada a Belém e pasmou de ainda sentir
dentro de si o que se chama um coraçăo e uma alma, após soffrimentos tăo
longos e tamanhos. Onde teria elle o bomsenso, já revelado desde a
adolescencia, quando commetteu a leviandade de casar com Luiza? Nada o
libertaria agora, porque a sua inteireza de animo, a sua correcçăo
nativa lhe vedavam o supremo recurso da fuga. Prendiam-n'o ao cepo
abençoadas cadeias: os filhos, que eram os doces élos ligando o seu
alvedrio á desdita.
As creanças! Elle também fôra pequenito, descuidoso e travesso infante,
nas amplas veigas lombardas, rescendentes a rosmaninho. Creara-o a
inexgottavel ternura da velha măe, e tinha sido ao som dos rudes osculos
bonachőes do pae que elle, apaparicado á porfia, encetara a solettraçăo
do singelo alphabeto das caricias familiares. Em casa, no antigo e pobre
lar, tăo arejado no verăo e tăo cheio de tepidos brazeiros pelo inverno,
quando o norte inclemente bramia rispido nos olivaes e carvalheiras, só
recebera edificantes exemplos de tolerancia mutua entre esposos amantes,
de respeito calmo, de intensissima affeiçăo. E na dupla contemplaçăo do
carinho de seus progenitores e da forte paixăo com que o gado amava na
pradaria, manhă cedo, ao abalar da arribana, iniciara Silverio, desde
joven, o seu grande sonho de um lar todo meiguices, em férvida ventura
conjugal. O sonho fôra deveras fugaz. Em pesadelo tornara-se depressa,
n'estes ardentes paizes americanos, onde tudo parece crescer,
desenvolver-se e passar vertiginosamente. Aquelles saudosos tempos
estavam longe, formavam um grupo separado, distincto, na vasta collecçăo
de suas recordaçőes de outróra. Presentemente, nada restava da
tranquillidade em que se formara a sua adolescencia, na Europa, nem dos
esperançosos, dulcissimos sobresaltos que chegavam a tirar-lhe o somno,
retendo-o até alta noite no sombrio tombadilho do vapor, quando fizera a
travessia do Atlantico. Tudo fugira, na definitiva liquidaçăo da sua
felicidade.
Esta dolorosa introversăo foi interrompida por um relinchar de cavallo.
Olhou Silverio á direita, como voltando de um sonho. Tinham-se afastado
os varredores, andava ainda no ar, peneirada na luz dos focos
electricos, a poeira levantada pelas compridas vassoiras. Sempre aberto,
o Universal manchava de claro a ramaria das mangueiras com a projecçăo
das salas illuminadas. Em frente á porta, o cocheiro falava manso aos
animaes impacientados. E o creado do Riche, desperto pelo relincho,
obtivera do patrăo a ventura de um gesto, ordem muda para fechar.
Entrou Silverio a acompanhar-lhe com a vista os movimentos, as idas e
vindas, mesas levadas aos pares, cadeiras conduzidas a duas e duas em
cada măo. Feliz homem, esse creado, pensava, se năo tinha a inenarravel
desdita de possuir um inferno em vez de lar. Ia dormir socegado, tendo
trabalhado materialmente,--reparadoramente. A subitas, atravessou-se-lhe
uma idéa no cerebro. Erguendo-se n'um esforço, bateu forte com os pés no
lagedo, para os desentorpecer, e chamou o servente:
--Deixe essa mesa, disse, traga um cognac.
E sentou-se, com esta sentença espipada de sua ironia dolorida:
--O alcool é a mortalha da dôr.
INDICE
PAG.
Dedicatoria
Uma homenagem I
Represalias 13
Um exgottado 35
Conto do natal 49
A neta da cabocla de Ourém 57
O banho da tapuia 83
Complicaçőes psychologicas 95
Um caso da cabanada 111
Um como tantos 127
OPINIŐES DA IMPRENSA
ENTRE AS NYMPHÉAS
Contos e sensaçőes
POR
J. MARQUES DE CARVALHO
Ediçăo-miniatura de Arnoldo Moen, de Buenos-Aires
_OPINIŐES DA IMPRENSA_
Este novo livro do auctor de _Hortencia_ foi muito lisonjeiramente
acolhido pela imprensa nacional e extrangeira. Vamos reproduzir algumas
opiniőes de jornaes e escriptores notaveis, externadas por occasiăo do
apparecimento do formoso livrinho.
D'_O Paiz_, do Rio de Janeiro:
De Buenos-Aires recebemos um volume do livro _Entre as Nymphéas_, ultimo
trabalho litterario do nosso compatriota Marques de Carvalho, Secretario
da Legaçăo brazileira. Compőe-se de onze novellas escriptas na Amazonia
e foi primorosamente impresso pela casa «La Vasconia» da capital
argentina.
É o primeiro livro em portuguez publicado em Buenos-Aires, mas năo foi
posto á venda ali. Apenas será encontrado na livraria Fauchon, d'esta
capital.
Em breve daremos a nossa opiniăo sobre o seu merito.
Da _Gazeta de Noticias_, do Rio:
_Entre as Nymphéas_ é o titulo de um volume, escripto e publicado em
Buenos-Aires pelo nosso compatriota J. Marques de Carvalho, já tăo
vantajosamente conhecido pelos seus trabalhos litterarios. A ediçăo é
formosissima e do merito do livro com mais vagar falaremos.
Do _Jornal do Brazil_, da Capital Federal:
_Entre as Nymphéas_, nitido e elegante volume, impresso em Buenos-Aires
e de que é auctor o sr. J. Marques de Carvalho, Secretario da Legaçăo
brazileira na Republica Argentina. Contém uma excellente collecçăo de
contos e narrativas, escriptas em estylo correcto e elevado bastante
para revelar as aptidőes litterarias do auctor, que năo é um
desconhecido nas lettras patrias.
Do _Jornal do Commercio_, do Rio:
O sr. Joăo Marques de Carvalho, Secretario da nossa Legaçăo na Republica
Argentina, publicou um volume com o titulo _Entre as Nymphéas_, contendo
diversos trabalhos litterarios seus: compostos em diversas épocas e que
offerecem agradavel leitura.
A impressăo feita em Buenos-Aires é nitida.
Ainda d'_O Paiz_, secçăo «Livros Novos»:
Desobrigamo'-nos hoje do compromisso ha dias assumido, publicando a
impressăo que nos deixou a leitura do novo livro de Marques de Carvalho,
Secretario da Legaçăo brazileira era Buenos-Aires.
O volume _Entre as Nymphéas_ contém onze trabalhos, seis dos quaes
incluidos na 1.Ş parte, sob a denominaçăo geral--_Subjectivismo_,
ficando os outros cinco subordinados ao titulo _Objectivismo_. Os
primeiros contęm ou descrevem impressőes intimas, subjectivas, conforme
o proprio titulo indica, falando n'elles a alma «na livre expansăo da
sua illimitada sinceridade e de todas as forças affectivas que possue».
Săo dedicados pelo auctor a sua esposa, «o amparo dos seus desanimos, o
jubilo dos seus dias prazenteiros».
A nota dominante do livro é toda de tristeza e de melancolia. Através de
suas paginas percebe-se a saudade, a dôr, o desespero, o horror a tudo
quanto năo é puro, a tudo aquillo que resulta da falsidade, da mentira,
do convencional. Collocado em meio das florestas virgens do Amazonas,
vivendo a vida simples dos habitantes d'aquellas paragens encantadoras,
que outra impressăo poderia beber o auctor em tăo suggestiva situaçăo,
senăo a impressăo do bom, do justo, do sentimental?
D'ahi a naturalidade com que o livro foi escripto, sem grandes
arreganhos de fórma, embora n'um ou n'outro periodo a gente fique a
suppôr que Marques de Carvalho pende para o falso _nephelibatismo_.
Indubitavelmente a naturalidade é uma das primeiras qualidades do
escriptor, sendo que os livros que mais successo causam, săo justamente
aquelles em que o estylo, sempre correcto, sempre bello, năo ultrapassa
as raias do espontaneo, do natural, para caír no ridiculo das
adjectivaçőes estrambolicas, retumbantes e malsonantes.
Lę-se com prazer os onze contos concebidos «entre as nymphéas, na regiăo
dos nenuphares e da Victoria Régia». Destacamos, porém, da primeira
parte, por nos ter melhor impressionado, a fantasia intitulada _O
cemiterio da floresta_, em que o auctor faz bonitas consideraçőes sobre
a hypocrisia das grandes cidades dos mortos e sobre a poesia de uma
sepultura entregue á guarda das mattas virgens e ao eterno choro das
aguas que deslisam mansamente junto á orla da floresta.
Da segunda parte, onde apparece, com as _Yaras paraenses_, uma ponta de
bom humor, pedimos permissăo para salientar ainda dois trabalhos: _Mater
dolorosa_ e _A filha do Pagę_, conto indigena com que o auctor fecha o
seu livro.
_Entre as Nymphéas_, embora impresso em Buenos-Aires--o trabalho
typographico é admiravel--năo está á venda n'aquella capital.
Os jornaes platinos tęm tecido muito merecidos elogios ao nosso
compatriota, com a apreciaçăo do seu livro. _La Patria Italiana_,
principalmente, diz ter-lhe causado a mais agradavel das impressőes a
leitura dos contos de Marques de Carvalho, affirmando que _Entre as
Nymphéas_ vem augmentar os louros colhidos pela actual geraçăo
litteraria do Brazil.
Felicitamos cordialmente o nosso compatriota e collega, cujo talento de
escriptor já se tem manifestado nas suas diversas faces com a publicaçăo
de tres opusculos e de tres outros volumes: _Hortencia_, _O livro de
Judith_ e _Contos Paraenses_--todos bem recebidos no paiz e no
estrangeiro.
De Valentim Magalhăes, em folhetim d'_A Noticia_.
_Entre as Nymphéas_ é o lindo titulo de um livro lindo--por fóra e por
dentro.
É seu auctor o sr. dr. J. Marques de Carvalho, nosso ministro em
Buenos-Aires. É um livrinho do feitio e do gosto d'esses da _Collection
Papyrus_, impresso n'aquella cidade e editado por Arnoldo Moen.
Contém onze narrativas divididas e grupadas em duas partes, que o auctor
intitulou _Subjectivismo_ e _Objectivismo_. Săo contos curtos, muito
intimos e suavissimos os primeiros; pittorescos, rapidos, _flagrantes_
os segundos,--todos escriptos com elegancia e colorido.
Da primeira parte citarei, como melhores, _O isolamento_, _O naufragio
do Purús_ e _O cemiterio da floresta_, e da segunda _Mater dolorosa_ e
_A filha do pagé_. O dr. Marques de Carvalho, que já tem atraz de si
varios livros, é um fantasista delicado e sentimental, e apaixonado pela
sua terra, o que lhe dobra o encanto e o valor.
_Entre as Nymphéas_ é um mimo: recommendo-o a quem se sinta embaraçado
na escolha de um presente para uma menina ou senhora.
De Bellarmino Carneiro, n'_O Paiz_:
A imprensa argentina năo tem regateado elogios ao precioso e elegante
volume com que Marques de Carvalho acaba de fazer a sua reapparicăo nas
lettras patrias.
E Marques de Carvalho bem o merece, pois os seus trabalhos săo obra de
artista apaixonado e de homem de coraçăo, como elle mesmo o confessa.
Espirito educado nas pugnas litterarias, adestrado luctador da imprensa,
temperamento rijo e masculo, como em regra o dos filhos da regiăo
septentrional, Marques de Carvalho, ao deixar o posto de redactor d'_A
Provincia do Pará_, a brilhante folha do norte, onde muito cedo ainda
começara a trabalhar ao lado do dr. Assis, de Antonio Lemos, de Jovino
Ayres e de muitos outros jornalistas distinctos, trazia um nome
laureado. _Hortencia_, _Livro de Judith_, _Contos Paraenses_ e alguns
opusculos em que firmou a sua ardente fé republicana, davam-lhe foros de
escriptor consagrado pelos applausos publicos.
Secretario do governo republicano do Pará e mais tarde diplomata, o
auctor de _Entre as Nymphéas_, apezar das responsabilidades e dos
labores da carreira politica, năo esqueceu o culto ás lettras, nem
abandonou os seus antigos idéaes.
Prova-o o seu novo livro.
Começamos estas linhas dizendo que a imprensa argentina colmara de
elogios esse livro, cuja ediçăo é um primor de factura typographica, e
referimo'-nos a isto para mencionar de preferencia, entre tantas
noticias laudatorias dos jornaes portenhos, como _Patria Italiana_, _El
Diario_ e muitos mais que vimos, o bellissimo artigo de Rubén Dario, o
elegante e fino estylista, no periodico illustrado _Buenos-Aires_.
Rubén Dario é um escriptor venezuelano e critico erudito, que illustra
com seus trabalhos litterarios varias folhas da capital argentina,
especialmente _La Nación_, onde temos lido ultimamente o seu bellissimo
estudo sobre o admiravel livro de Menéndez Pelayo, _Antologia de poetas
americanos_.
Tratando do livro do nosso compatriota Marques de Carvalho, diz Ruben
Dário[1]:
«Pouco conhecida é entre nós outros a litteratura brazileira
contemporanea, aliás tăo opulenta e brilhante, que quasi poderia
considerar-se a primeira da America latina. Desde os velhos, os
veteranos das lettras, que escrevem na _Revista Brazileira_, até essa
ardente e amestrada geraçăo que se manifesta em publicaçőes tăo
habilmente sustentadas como _A Semana_, a producçăo mental do Brazil é a
muitas respeitos digna de attençăo, e d'ella, mais que de nenhuma outra
dos paizes latino-americanos, se tem occupado por vezes a critica
européa.
Quem conhece entre nós--para citar só um nome--esse critico de tăo
solida e profusa erudiçăo, tăo moderna variedade e bella galhardia, que
se chama Araripe Junior?»
.........................................................................
E accrescenta depois:
«Ao percorrer as paginas d'este livro, vę-se que quem o tratou é
escriptor que năo desdenha o amor da arte da palavra. Se năo ha ali o
labor de um artista, se năo chega até aos virtuosismos de fórma de
alguns dos seus jovens patricios--a verdade é que elle se proclama
singelamente «naturalista na expressăo»--tem uma espontaneidade e um
dizer amavel que impressionam mui favoravelmente.
Narra sem _ambages_; dá uma bella impressăo da natureza tropical nas
suas descripçőes selvagens e fluviaes.
No principio conta os suaves deleites do isolamento; Zimmermann ficaria
muito satisfeito com elle. Depois, um bando de gaivotas leva-o a exhalar
suspiros de vaga melancolia. Recordando o pavoroso naufragio do _Purús_,
no grande rio, catastrophe em que pereceu a măe de sua măe, a
manifestaçăo do sentimento expande-se em commoventes e intimos periodos.
As expansőes familiares continuam em amorosos trechos dedicados á sua
filhinha. No _Cemiterio da floresta_, a phrase se avigora e o cuidado do
estylo substitue os anteriores desafôgos pessoaes, que se renovam n'uma
pagina profundamente sentida, na qual rememora a morte de sua măe. Ahi
conclue a primeira parte, que elle denominou _Subjectivismo_.
Na segunda, _Objectivismo_, encontram-se elegantes, delicadas, graciosas
coisas. _A pesca de Deodato_ é um conto repleto do bom-humor, que alegra
o fantastico da narraçăo; etc.
_Mater dolorosa_ é um triste episodio de dôr materna; _Yaras paraenses_,
uma encantadora _humorada_; _Uma historia de amor_, uma série de cartas
de um Marcel Prévost, agradabilissimas, e _A filha do Pagé_, uma
narrativa muito humana e muito bonita.
O livro lę-se rapidamente, gostosamente. Eu felicito o seu auctor, que
me proporcionou uma feliz meia-noite até o amanhecer».
Taes săo os conceitos expressos pelo illustre critico em artigo especial
do _Buenos-Aires_, illustrado com um excellente retrato de Marques de
Carvalho.
O nosso joven compatriota deve sentir-se bem compensado dos seus
esforços, vendo-os prestigiados por auctoridade tăo eminente nas lettras
americanas, e nós năo dissimularemos o jubilo que nos enche a alma cada
vez que o nome de um brazileiro levanta longe da Patria applausos e
acclamaçőes tăo raramente e tăo avaramente prodigalizados em geral.
[1] Rubén Dario é um dos mais competentes criticos litterarios da
actualidade e o mais vigoroso estylista em idioma espanhol na
America do Sul.
De Arthur Azevedo, na secçăo «Palestra», d'_O Paiz_:
Li de uma assentada _Entre as Nymphéas_, o interessante livro que o
nosso distincto compatriota J. Marques de Carvalho publicou em
Buenos-Aires, onde exerce o logar de 1.ş Secretario da Legaçăo
brazileira.
O volume divide-se em duas partes--_Subjectivismo_ e _Objectivismo_. A
primeira consta de paginas intimas, escriptas em estylo agradavel, mas
um tanto rebuscado; na segunda, mais curiosa, mais simples e mais
variada, encontram-se quatro bellos contos que transportam o leitor ás
magestosas margens do Amazonas e _Uma historia de amor_, fantasia
psychologica, condimentada _ŕ la mode de Paris_.
Essa espirituosa composiçăo contém sete cartas, escriptas por uma mulher
durante mez e meio, que săo o prologo, a acçăo e o desenlace de uma
aventura de amor. O livro de Marques de Carvalho, que sabe manejar a
penna perfeitamente; contém paginas verdadeiramente encantadoras. _A
filha do Pagé_ o conto com que termina o livro, é uma chave de ouro.
Accrescentarei que o volume, um primor de impressăo, imitando as mimosas
ediçőes Guillaume, de Paris, faz honra ao editor Arnoldo Moen e á
typographia _La Vasconia_, de Buenos-Aires.
O general dom Bartholomeu Mitre, que foi commandante das forças alliadas
contra o Paraguay e presidente da Republica Argentina,--sendo além de
tudo um dos mais eruditos e festejados litteratos contemporaneos,
dirigiu a Marques de Carvalho as seguintes linhas, ao receber um
exemplar de _Entre as Nymphéas_.
Bartholomeu Mitre saúda attenciosamente ao ex.mo sr. J. Marques de
Carvalho Encarregado de Negocios do Brazil na Argentina e agradece o
precioso livro que se serviu offerecer-lhe, o qual conservará como uma
lembrança na sua Bibliotheca Americana, com a honrosa dedicatoria
autographa do auctor, a quem deseja todas as felicidades n'este paiz.
O sr. dom Mariano Pelliza, diplomata e historiador argentino, tambem
enviou estas palavras ao auctor:
Mariano A. Pelliza, sub-secretario de Relaçőes Exteriores, saúda ao seu
amigo Marques de Carvalho e compraz-se em enviar-lhe os seus
agradecimentos pela joia litteraria (por esta vez,--joia--năo é
metaphora) com que teve a gentileza de o obsequiar.
Herculano Marques Inglez de Souza, o illustre jurisconsulto e eminente
litterato brazileiro, endereçou a Marques de Carvalho a seguinte carta:
Cumpro um grato dever, agradecendo cordialmente a V. a dupla distincçăo
que se dignou fazer-me, offerecendo-me um exemplar do sou bello
livrinho--_Entre as Nymphéas_ e dedicando-me as sentidas e delicadas
paginas que escreveu a proposito da tragedia do vapor _Purús_.
Já conhecia de V. alguns trabalhos e, entre elles, a _Hortencia_,
romance em que revela grandes qualidades de observaçăo e muito amor á
verdade na Arte. O seu novo livro mostra que áquelles predicados sabe V.
alliar muito sentimento _verdadeiro_ e um estylo colorido e sóbrio.
A conceituada _Revista Brazileira_, do Rio, estampou o seguinte juizo
critico:
Como a canôa que deslisa por entre a vegetaçăo aquatica que deu o titulo
a este elegante livro de contos, vae a alma de quem o lę levada de
narrativa em narrativa, sem se emmaranhar nas enrediças do estylo
caprichosamente entrelaçadas.
Com effeito, reproduzem-se n'este livro delicado as infinitas gradaçőes
de côres que o sol dos tropicos, enfiando o pincel de raios pelo prisma
das cataractas, fixou nas pennas das aves e nas folhas dos nenuphares. E
com a vehemencia com que pelas regiőes do Amazonas brotam as açucenas do
seio das aguas, o sentimento do bello enraizado profundamente na alma do
escriptor desabrochou em commovidas phrases á flôr do pranto que lhe fez
verter a saudade da filhinha ausente ou da măe que elle viu finar-se.
_Brinde a minha filha_ e _Um anniversario_ săo paginas escriptas com o
proprio sangue e incluidas na 1.Ş parte--_Subjectivismo_, que o auctor
offerece a sua esposa. O subjectivismo terá sempre esta superioridade
incontestavel: que na ignorancia em que depois de tantos seculos de
philosophias ainda se encontra o homem com respeito á lei do universo,
somente a que em si sente póde ter uma tal ou qual consciencia; d'onde
resulta que, ainda quando copía o mundo exterior, é o seu proprio
sentimento que empresta ás coisas. Por isso o homem persiste em affirmar
que os montes săo tristes, que choram os mares, que riem as searas, que
folgam as aves, e năo quer ver que nem os montes săo tristes, nem choram
os mares, nem riem as searas, nem folgam as aves e que só elle é triste,
chora, ri ou folga, porque só elle possue em toda a natureza a
capacidade das alegrias supremas comparada com o dom das supremas
angustias.
Da 2.Ş parte--_Objectivismo_, commoveram-nos principalmente as duas
narrativas _Mater dolorosa_ e _A filha do Pagé_, a historia
entristecedora de uma măe que vę o filho engulido pelo gigante rio do
Norte e a de um velho indio que chora a filha deshonrada. Estes dois
contos confirmam-nos na crença de que é, quando menos, inutil para a
arte a distincçăo entre _subjectivismo_ e _objectivismo_. Se o auctor
logra transmittir a quem o lę a emoçăo espontanea ou reflexa de que se
acha possuido (e é o caso do sr. Marques de Carvalho), a obra é
verdadeira; se năo logra, a obra é falsa, porque, em todo caso, é sempre
o objectivismo do leitor que julga em ultima instancia.--S. R.
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Contos do Norte
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Excerpt
The Project Gutenberg EBook of Contos do Norte, by Joăo Marques de Carvalho
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Book Information
- Title
- Contos do Norte
- Author(s)
- Carvalho, João Marques de
- Language
- Portuguese
- Type
- Text
- Release Date
- May 4, 2009
- Word Count
- 20,227 words
- Library of Congress Classification
- PQ
- Bookshelves
- PT Contos, Browsing: Literature, Browsing: Fiction
- Rights
- Public domain in the USA.
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