Project Gutenberg's Costumes Madrilenos, by Sebastiăo de Magalhăes Lima
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Title: Costumes Madrilenos
Notas de um Viajante
Author: Sebastiăo de Magalhăes Lima
Release Date: September 15, 2009 [EBook #29999]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
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MAGALHĂES LIMA
COSTUMES MADRILENOS
NOTAS DE UM VIAJANTE
SEGUNDA EDIÇĂO
COIMBRA
LIVRARIA CENTRAL DE J. D. PIRES--EDITOR
1877
COSTUMES MADRILENOS
COSTUMES MADRILENOS
NOTAS DE UM VIAJANTE
POR
S. de Magalhăes Lima
SOCIO HONORARIO D'EL FOMENTO DE LAS ARTES DE MADRID
2.Ş EDIÇĂO
COIMBRA
LIVRARIA CENTRAL DE JOSÉ DIOGO PIRES--EDITOR
1877
IMPRENSA ACADEMICA
AO
SENHOR.
D. BENIGNO JOAQUIM MARTINEZ
Off.
O auctor
COSTUMES MADRILENOS
I
CARACTERES E COMPARAÇŐES
Leitor amigo, se queres possuir a chave da vida, se queres ter o segredo
da existencia, aprende a viajar.
A viagem tem, como todas as cousas d'este mundo, a sua pequena
philosophia e as suas theorias, mais ou menos complicadas, e os seus
progressos mais ou menos notaveis.
Viajar năo é uma variedade de sensaçőes apenas; mas ainda mais, e
principalmente, uma fonte inexgotavel de boa e salutar experiencia,
um manancial perenne de vividos enthusiasmos por tudo quanto é bello,
novo e original, e uma origem fecunda de analyse, de observaçăo e de
critica, que de ordinario raro é de encontrar-se no paiz onde nascemos,
ou na cidade onde residimos.
E assim é realmente que, se tu quizeres admirar a seriedade nos
costumes, a robustez no corpo, a soberania na guerra, o metaphysico na
sciencia, o imperio na familia, a fidelidade nos affectos, e a
superstiçăo na religiăo--tu irás á Allemanha.
Se pelo contrario, tu desejares vęr a frouxidăo no corpo, o
indifferentismo em politica, a lassidăo nos costumes, a perversăo nos
principios, a fraqueza na sciencia, o theologismo na religiăo, o lyrismo
na vida--tu, sem mais trabalhos nem violencias, ficarás em Portugal.
Mas se tu, embora năo te repugne a debilidade physica e a
pusillanimidade de espirito, quizeres o ideal da arte e a architectura
da sciencia--entăo procurarás Italia.
Por outro lado ainda, se te impressiona o ruido das palavras, a viveza
do olhar, a facilidade dos affectos, a modestia do trajar, a
generosidade do coraçăo, o esplendor do _ménage_--parte para a Hespanha.
Com uma mulher hespanhola vive-se bem um mez, num sensualismo delicioso,
numa voluptuosidade tepida e numa ardencia de amores que nem sempre é
vulgar nas outras mulheres do mundo.
Com uma mulher franceza, porém, o espirito năo se cança nunca, nem o
coraçăo chega jámais a desesperar--e se um seculo vivessemos, um seculo
tambem consagrariamos a essas fadas, mais demonios do que anjos, e quasi
sempre mais amantes do que esposas.
No francez dá-se, a par da elevaçăo da idéa, a agilidade elegante do
corpo, a simplicidade maravilhosa do trajar, a delicadeza sem igual da
cosinha, a intrepidez risonha dos factos e das circumstancias, a
attençăo magnetica das palavras, a originalidade dos costumes.
Com elles contrastam os inglezes, os quaes, năo obstante serem
mudaveis em religiăo, săo, todavia, prudentes nos seus negocios, zelosos
na sua vida intima, affaveis nas maneiras, orgulhosos no trajo e
astuciosos na guerra.
Subordinados ás circumstancias, ao tempo e aos logares--os povos săo um
resultado do meio em que se acham mergulhados.
O que promoveu a questăo do Oriente năo foi verdadeiramente a ambiçăo
dos monarchas, mas antes o imperio que a civilisaçăo moderna tem direito
de exercer sobre tudo e sobre todos.
E por isso a Turquia, como vestigio de barbarismo que ainda é hoje na
Europa, foi de ha muito condemnada á morte e ao ostracismo.
O caracter turco era facilmente domavel, mas por natureza fanatico,
supersticioso, intolerante--tal qual como as verdades do Alcorăo.
Por isso, leitor, embora tu sintas grandes saudades do harem e das
houris, resigna-te, e deixa de combater pelos turcos.
Que elles e os seus sultőes se dignem subir ao setimo céu de Mafoma, e
que nos deixem.
Mas, francamente, se tu queres viver pela natureza, se soffres dos
pulmőes, se és pantheista, se gostas das borboletas e das flores, se te
enthusiasmas com os limpidos horisontes das montanhas e dos rios, se és
socegado, melancholico, um tanto nostalgico e triste, escolhe a
peninsula, aluga uma casa todos os annos no Bussaco, percorre a
Andaluzia na primavera, visita as praias, e deixa-te ficar por cá.
Se, porém, năo temes os frios do norte, se és audaz, intrepido, valente,
corajoso, se amas a sciencia e a arte, se năo te canças em subir a uma
montanha e em correr num _trenó_ num dia gelado, e por um rio coberto de
neve, se gostas da vida, tal como ella deve ser--valorosa, hygienica, e
grande, entăo vai á Suissa, á Allemanha, á Italia, e até mesmo á Russia,
se tanto fôr da tua vontade.
Convém que faças uma viagem todos os annos na primavera. Para isso basta
apenas, que no teu viver domestico, no teu gastar quotidiano, tu
adquiras uma sciencia tăo difficil, como rara de conservar-se--a
sciencia da economia.
No fim de oito ou dez annos, tu sentir-te-has forte, cheio de critica,
vigoroso na discussăo, capaz de entrar em todos os assumptos, que por
acaso se ventilarem, e susceptivel de comparar, entre si, năo só todos
os paizes do mundo, mas ainda os homens e as sociedades.
E assim tu terás o dom do historiador, a evidencia dos factos, a
observaçăo da natureza e o estudo das cousas em geral.
Eu năo quero que tu te faças misanthropo, doente, regenerador. Năo!
Porque sou portuguez, e desejo que tu sejas alegre, feliz, espirituoso,
bom amigo, excellente marido e cidadăo prestante.
E para isso, para afugentar terrores e negrumes, para que tenhas saude,
vida e amor--é forçoso que tu viages, que deixes a tua aldeia e as tuas
arvores, que arranjes a tua mala, que te despeças dos teus conhecidos e
que partas.
Nada de esperas. Quanto mais cedo melhor. O mundo é para quem
caminha; e a viagem é como a sciencia, tambem um progresso.
Aqui tens o teu casaco. Cabeça alta e adeus á patria querida.
Cocheiro--açoute nesses cavallos!
Para deante. Para deante é que é o caminho.
II
NÓS E ELLES
Năo ha duvida que nós năo somos elles, nem elles săo nós.
Năo obstante, elles querem ser nós, mas nós é que năo queremos ser elles.
Coisas d'este mundo!
Nós, năo nos fartamos de elogiar Madrid; e elles năo se cançam nunca de
exaltar Lisboa.
_Mutatis mutandis_, ninguem está bem senăo onde năo está.
A verdade, porém, é que nem a patria do sr. Fontes é má, nem as terras
do sr. Canovas săo detestaveis.
Lisboa tem, como Madrid, as suas pequenas corrupçőes, os seus ministros
ociosos, a sua realeza inutil, o seu credito abastardado, a sua
administraçăo vacillante, os seus empregados preguiçosos, a sua fama em
decadencia e o seu futuro compromettido.
Tudo isto temos nós, e tudo isto tęm elles--mercę de Deus.
Por cá, como por lá, multiplicam-se os bailes, rangem as sędas, reluzem
as _toilettes_, scintillam os chrystaes, refervem os vinhos nas suas
taças preciosas, adelgaça-se o corpo, polvilham-se os cabellos,
tingem-se as faces, alarga-se a consciencia, confundem-se os factos,
adora-se a elegancia, e todos--ó céus! sem mesmo o presentirem--caminham
para o bom tom, impellidos pela magreza, que os devora, arrastados pela
falta de hygiene e seduzidos pela eterna sereia das humanas velleidades.
D'onde se conclue que cá e lá más fadas ha.
Mas Lisboa, com franqueza, năo é de todo má: as suas ruas estăo povoadas
de bellos e formosissimos edificios; os seus jantares, embora sem
dinheiro, săo abundantes; os seus hospedes vestem-se bem, năo obstante
faltar-lhes para isso o corpo e o sangue; as suas filhas de aguarella
sabem calçar uma bota á _Benoiton_; Aline, a sua modista, tem algum
gosto; Stellpflug e Manuel Lourenço, os seus sapateiros predilectos,
contentam os seus freguezes; Barral tem bons remedios; o café, em geral,
năo é mau; os charutos satisfazem; os assassinos năo tem sido demais;
quem quizer tambem póde deixar de se suicidar; emfim, ella năo é
despiciente, acreditem:--unicamente o que lhe falta é o espirito, isto
é, o _tic_ nervoso, que dá o bom senso; o enthusiasmo, que eleva as
geraçőes; o fanatismo scientifico, que torna os homens celebres e
audazes; o que lhe falta verdadeiramente é isso--essa primeira parte da
humanidade a que Shakespeare chamaria, talvez, o _to be_ da humana
existencia--o caracter.
Emile Péreire, no tempo em que escrevia no _Nacional_, sob as ordens de
Armand Carrel, tăo pobre era que longe estava de imaginar o futuro
de riqueza que o esperava.
Foi, recordando-se d'esse passado de miseria, que elle pronunciou
aquella esplendida phrase, de que Charlet fez uma caricatura:
--Aos trinta annos tinha dentes e năo tinha păo; aos sessenta tenho păo
e năo tenho dentes.
Pois assim está a nossa capital--quando tinha caracter e dinheiro
faltava-lhe o espirito e o desenvolvimento intellectual; agora que
naturalmente está mais desinvolvida e mais apta para as concepçőes do
mundo moderno, escasseia-lhe o caracter e a franqueza.
Façamos como Paulo Vernet, o pintor realista--abramos a janella, e
olhemos serenamente o que se passa.
Em Madrid vive-se no café e pelo café. Quando se quer procurar qualquer
pessoa importante, năo se pergunta nunca pela casa onde reside, mas sim
pelo café que costuma frequentar. E ahi está tambem o motivo, porque, na
capital da Hespanha, os cafés, que quasi se podem dizer pequenas
aldeias pela extensăo e pelo comprimento, estăo cheios, perfeitamente
cheios, durante a noite e durante o dia. É ahi que se faz a politica, e
é ahi tambem que se preparam os futuros acontecimentos do paiz.
Dizia madame de Grirardin que um dos primeiros deveres da mulher era ser
bonita. Pois o hespanhol tem para si, que um dos primeiros deveres do
homem, em geral, é ser fallador, ruidoso, amante das revoltas e
sinceramente admirador do extraordinario.
Lembro-me que, numa noite, no theatro da zarzuella, um meu companheiro
de viagem havia sido apresentado a uma distincta familia de Madrid, com
quem travou estreitas relaçőes de amizade e de quem recebeu os mais
inequivocos testemunhos de affecto.
Eram pae, măe e duas filhas.
No dia immediato ao da apresentaçăo um grande acontecimento echoou na
cidade. Dizia-se que uma senhora havia sido ferida na cabeça por um tiro
de rewolver, desfechado á queima roupa por seu marido, o qual,
julgando-a morta, se suicidára logo em seguida.
Este facto, importante em qualquer outro paiz, ali mal despertou a
curiosidade publica. Quasi que passou desapercebido.
Averiguado, porém, o caso, soube-se effectivamente que a heroina era nem
mais nem menos do que a tal senhora, que, na vespera, pela sua
attenciosa bizarria confundira o meu amigo, com attençőes e delicadezas.
Ella exigira do esposo dinheiros avultados, que elle asseverava
abertamente năo ter em casa, naquella occasiăo. Entăo a mulher,
enfurecida, gritou, fingiu-se morta, até que emfim se atirou ao marido,
o qual, năo constando que fosse santo, se atirou por seu turno a ella.
E assim, travados de razőes, armaram aquella tragedia, digno exemplo de
duas filhas menores e edificante monumento da civilisaçăo de um povo.
Madrid tem, sobretudo, um vicio de origem--a falta de agua. O caracter
hespanhol, tăo contradictorio em si e nas suas manifestaçőes, é todavia
secco, aspero ás vezes, e irreflectido quasi sempre.
A escassez de agua, além de escurecer toda a paisagem da Estremadura,
faz ainda, porém, com que as flores sejam raras na cidade, e de todo o
ponto destituidas de gosto.
Ora todos sabem que a flôr entra hoje na vida do _ménage_ como uma
necessidade, insubstituivel. Muitas senhoras tęm nella uma companheira e
uma amiga. A aridez da vida domestica é muitas vezes compensada pela
existencia de um jardim, ao qual a dona da casa consagra todos os seus
ocios e em virtude do qual ella cura todos os seus tedios.
A mulher hespanhola, como năo tem flores nem jardim, procura
naturalmente os cafés e o mundo exterior, de que aliás precisa para
conviver e para se entreter; cousa que, em nosso juizo, ninguem, em
verdade, lhe poderá levar a mal.
E, no meio de tudo isto, năo ha povo que sinceramente comprehenda melhor
as leis da hospitalidade e que melhor e mais bizarramente saiba
attrahir a si os estrangeiros.
Mas, embora elles queiram ser nós,--nós é que, em boa logica, năo
podemos ser elles.
Elles, por exemplo, empregam o adjectivo _larga_--_esta calle es muy
larga_--para significar o comprimento, ao passo que nós o empregamos
para exprimir a largura.
Antithese completa!
Oh! năo--decididamente nós năo podemos ser elles..
Mas, _se ellas_ quizessem ser nós!...
Se nós fossemos _ellas_!...
III
A CIDADE
No centro de uma extensa planicie, acompanhando a margem esquerda do
Manzanares e alteada sobre differentes collinas de aręa de pequena
elevaçăo, ergue-se a cidade de Madrid, a formosissima _villa coronada_,
prodigiosa de encantos, opulenta de prazeres e esplendida de vida.
Data do reinado de Philippe II, em 1560, a mudança da capital do reino
hespanhol de Toledo para Madrid.
Perde-se na bruma dos tempos a origem etymologica d'esta cidade. No
entretanto julga um illustrado escriptor que a verdadeira derivaçăo
de Madrid é _Magerit_, palavra arabe, que na nossa lingua significa
_corrente de agua_.
Muitas foram, e successivas, as invasőes por que passou a cidade. Năo
vem para aqui, por deslocada, uma resenha historica de todos esses
tempos de agitaçăo, mais ou menos intimamente ligados com as coisas do
nosso Portugal.
Philippe IV foi para a Hespanha o mesmo que Luiz XIV foi para a França.
No seu reinado brilharam as artes, as sciencias e a litteratura. Quiz,
porém, a fatalidade, como que para realçar o dominio dos contrastes do
mundo, que o seu herdeiro Carlos II fosse um rei pusillanime, fraco,
fomentador da intriga e iniciador d'uma crise, que cessou com a
assolaçăo d'uma tremendissima guerra civil no tempo de Filippe V.
Madrid soffreu immensamente nestas lutas intestinas. Sem embargo, os
sacrificios compensaram as perdas. E quando depois Carlos III subio ao
throno de Hespanha, a um sorriso do monarcha privilegiado desabroxou
a paz, e as reformas brotaram por completo naquelle paiz.
Este estado foi, porém, de curta duraçăo. Napoleăo I, senhor da França,
pőe a Hespanha novamente em tumulto e deixa-a entregue á fome e ao saque
das hordas estrangeiras.
Expulsos os francezes de Madrid, começou entăo a luta entre realistas e
liberaes, os quaes depois se subdividiram ainda em progressistas e
moderados, dando assim logar a uma infinidade de fracçőes, que só deviam
abortar na mallograda revoluçăo de 1854.
Foi d'aqui que se originaram os partidos unionista, o democrata e mais
tarde o neo-catholico; e foi d'aqui tambem que nasceu a Hespanha
revolucionaria moderna, de todos conhecida, desde 1868 até nós.
* * * * *
Madrid é, pois, uma cidade pequena, năo talvez muito maior que o Porto,
com um clima excessivamente regular, comportando na sua área 360:000
habitantes, cuja indole póde naturalmente e com o maximo rigor ser
observada á luz do gaz e durante a noite em qualquer dos principaes cafés.
Conta-se que um alcaide hespanhol se compromettera certo dia a fazer
tres discursos numa dada povoaçăo.
Chegou o primeiro dia, e perguntou á turba:
--Entenderăo o que lhes vou dizer?
Ninguem respondeu.
--Pois se năo tęm de entender-me é escusado pregar no deserto.
No segundo dia voltou, e repetiu a mesma pergunta.
--Sim! responderam todos, já zangados com a occorrencia do dia anterior
e desejosos por saber o que tăo illustre orador d'elles queria.
--Nesse caso, se comprehendem, săo inuteis as explicaçőes.
Chegou, porém, o dia da terceira e ultima prelecçăo, e o povo concordou
em responder indistinctamente.
--Serăo capazes de perceber qual é o fim do meu discurso?
Sim! Năo! conclamou a turba em dois córos.
--Entăo aquelle que percebeu que explique ao que năo entendeu.
E assim é, na verdade, o caracter hespanhol. Todos se entendem, e
ninguem se entende. De modo que, no seio de tăo estranha confusăo, a
vida domestica de Madrid, toda anarchica, toda exterior, toda ficticia,
vai naturalmente reflectir-se nas coisas publicas--no commercio, na
industria, na arte, na litteratura, na politica--pondo a cidade em
continuo alvoroço, e deixando o viajante profundamente assombrado de tăo
fortes e repetidas contradicçőes.
E tudo isto, o que mais é ainda para estranhar, num paiz onde os grupos
dissidentes săo quasi tantos como os talentos politicos, e onde o
caracter de cada individuo varia e se modifica em justa proporçăo com a
sua leviandade de espirito e seguindo naturalmente as differentes
oscillaçőes da opiniăo publica, sempre precipitada e louca.
Obedecendo á influencia do meio que os domina, os estadistas
hespanhoes săo mais theoricos do que practicos, mais litteratos do que
politicos, e, sem duvida alguma, mais poetas do que observadores.
D'aqui a impossibilidade de uma uniăo séria, progressista e
trabalhadora. As subdivisőes prolongam-se até ao infinito. Antes de 30
de dezembro de 1875, os moderados formavam um unico partido. Agora,
porém, avultam os moderados _transigentes_, tendo por orgăo o jornal _El
Tiempo_: os moderados _intransigentes_ com _La Espańa_ e os moderados de
_estola_ com _El Siglo Futuro_.
O mesmo com o partido constitucional, que hoje se acha subdividido em
constitucional do sr. Sagasta, representado na imprensa pela _Iberia_;
em constitucional dissidente do sr. Santa Cruz, representado pela
_Patria_ e em constitucional do sr. Ulloa, representado outr'ora pelo
periodico _El Constitucional_, que já năo se publica.
As celebridades năo escasseiam. Antes, pelo contrario: ao passo que em
França quasi todos os homens illustrados săo escriptores, em
Hespanha quasi todos săo oradores.
Abstrahindo mesmo de Emilio Castellar, o luminosissimo vulto do seculo
XIX, que só em Gambetta encontraria um rival condigno, e porventura,
como politico, mais pratico, mais accentuadamente positivo do que elle;
abstrahindo do sympathico materialista Figueras e do advogado Martos,
poucos ha, naquella adoravel nacionalidade, que năo possuam o fogo
sagrado dos sublimes enthusiasmos patrioticos e a brilhantissima
scentelha dos grandes espiritos revolucionarios.
Numa palavra, a Hespanha é o paiz solemne das occasiőes, o paiz do _ŕ
propos_, o paiz do momento.
Os generaes Prim e O'Donnel andam ainda hoje apregoados pela fama
publica. Pois bem. Muitos annos năo se haviam passado depois do seu
regresso da Africa, e concluida a guerra de Marrocos, que Prim,
collocado numa das janellas do _Hotel de Paris_, recebera a mais
enthusiastica ovaçăo que humanamente era licito dispensar a um
idolo. Uma noite regressava o illustre general do congresso, quando,
subito, uma detonaçăo acordou a cidade. Correram todos. Duas balas
haviam-lhe destruido a emoplata, o ante-braço e a măo direita. Estava
morto o heroe de tantas victorias e o deus de tamanhos enthusiasmos. A
policia năo apparecera. Ainda presentemente nas cadeias de Madrid se
conservam presos, por suspeitos, seis homens. O resto, sabem-n'o os seus
inimigos, d'elle.
Madrid, a cidade _imperial_ e _coronada_, a _mui nobre, mui leal e mui
heroica_ cidade, como em 1814 lhe chamou Fernando VII, tem, porém, ainda
uma outra face, que realmente năo deve esquecer ao historiador; e essa
face, esse lado immensamente grande e extraordinario, que a Cervantes
valeu uma reputaçăo e uma immortalidade, é a anecdota, o delirio da
bagatella e do ridiculo.
Sim! a Hespanha, como bandoleira que é, tem uma lenda--_a lenda do
bandido_.
Estudando essa lenda, melhor e mais facilmente poderemos fazer uma idéa
do que é e do que foi a Hespanha nos seus movimentos, nas suas
idéas, na sua politica, no seu commercio, na sua industria, no seu
progresso e na sua civilisaçăo.
Voltemos, portanto, a pagina.
IV
A LENDA DO BANDIDO
O bandido!... Mas quem o năo conhece? Elle, o maganăo, o seductor, o
adultero, o perverso, elle tem vivido sempre e sempre impune, sempre
ironico, sempre chasqueador, sempre rapaz, sempre diabo. Com mil
granadas! Que sublime ratăo...
Houve quem lhe chamasse _espirito das trevas_; houve tambem quem o
appellidasse com o epitheto de carne, de Satan, de magico, de serpente,
de lagarto e năo sei tambem se de _D. Juan_, se de Mephistopheles, se de
Falstaff.
E é que elle realmente tem esse condăo.
Todos os dias se renova, renascendo das proprias cinzas, como a phenix
mythologica, mudando de pelle como qualquer simples giboia, usando barba
postiça, como um grotesco que é, e dando-se os ares frescos e
traiçoeiros de velha rapoza, já useira e veseira nos altos assumptos de
quem tem o olho em Deus e a unha no proximo.
Năo! Elle năo é simplesmente o palerma namorador, que, á meia noite, de
guitarra em punho, vai desferir uns estupidos landuns, mal tocados,
debaixo da janella da sua pallida amante; tambem năo é apenas o ebrio
impenitente, que, pela madrugada, carregado de vinho e de tosse, corre
as ruas num tropego cavallo de aluguer, atropellando quem passa e
vomitando injurias _aguardentadas_ sobre a honestidade de quem trabalha.
Porque, sendo tudo isto, o nosso typo tem, todavia, uma feiçăo
proeminente, feiçăo grave, enormissima, que ninguem jámais lhe poderá
disputar. Oh! sim, só elle é o bandido por excellencia, bandido de
casaca e luva branca, mas bandido de alma larga e coraçăo esperto,
emquanto a mim o peior de todos os bandidos.
Cautella, meu fidalgo, que nós já te conhecemos. Tu, que năo duvidaste
vestir a farda de imperador; tu, que tens levado as insignias da realeza
até á crapula dos bordeis; tu, que enlameaste o teu brazăo ao contacto
effeminado da fadistagem de navalha e faixa encarnada; tu, meu politico,
tu, meu banqueiro, tu, meu villăo, é que verdadeiramente és o rei do
mundo, porque te falta a vergonha e a decencia.
Eu queria fazer de ti um Sancho Pança, mas Sancho é gordo e póde cair na
embuscada; năo, năo serás Sancho, nem D. Quixote pela razăo opposta; mas
o que tu podes ser realmente é um Claret--um Claret sem corôa, de olhar
mellifluo, doce no dizer, suave na convivencia e insinuante nos modos.
Que o jesuitismo esteja descançado emquanto a nós. Unicamente nós
pedimos licença a suas reverendissimas para pegar num dos seus mais
respeitaveis membros, para o virar, para o revirar, para lhe dar
umas palmadinhas no ventre; e feito isto, para o despedir com um
piparote--tal qual, como se faz a um boneco de papel. E nada mais.
Depois nem sequer pensaremos em similhante entidade. Tentaremos dormir
sobre o caso, fazendo cama--e que boa cama!--de tăo beatificas proezas.
Agora o touro que saia: bandarilhas na măo e firmeza no pulso.
Era uma vez um paiz, rico, poderoso, rodeado de magnificas paisagens,
realçado pela formosura de mulheres peregrinas, e dominado pela ambiçăo
de politicos tresloucados. Um dia, porém, o sol, que era ardente, trouxe
á cidade febres incuraveis. Adoeceram, entăo, os estadistas; e no
delirio da doença cousas espantosas e horripilantes se começaram a ouvir
de suas bôccas evangelicas. A febre tomou-os dos pés á cabeça; e
entăo--ó céus!--doidos, perdidos, alucinados, elles, os doces, elles, os
virtuosos, elles, os santos, que precisavam de saude e de vida, porque
estavam mal, inventaram uma cousa muito melhor do que a _agua
circassiana_, muito melhor ainda do que a _Revalescičre du Barry_...
elles deliberaram segurar as vidas em perigo.
E a populaçăo mecheu-se activa, energica, em favor de tăo alta instituiçăo.
Estava salva a patria.
Contra o abysmo, que a perseguia, contra o diluvio, que a ameaçava,
tinha o governo tambem inventado a sua arca santa--as companhias de
seguro de vida.
E sem embargo, os typhos, as bexigas, os sarampos, as erysipellas năo
haviam desapparecido da terra. O paiz continuava a soffrer as suas
doenças, a alimentar rivalidades no seu seio e a prestar-se como sempre
ás mil intriguinhas da côrte.
Vai entăo o bandido amigo, irrequieto e nervoso, começa de farejar novas
vias de exploraçăo.
--Nada! dizia elle. Segurar a vida é pouco; é preciso tambem segurar o
capital. Măos á obra!
E formaram-se os bancos e as casas bancarias.
Mas bandido--manhoso tinha já propensőes para abusar. A policia ia-lhe
sempre na pista. Todavia, elle, o heroe, elle năo descansava nunca.
Ah! bandido! ah! brejeiro!
Ainda era pouco. Claret tinha a ambiçăo louca e avara de um Shylock
hespanhol. Queria ser rico, queria jogar, queria amar, queria
divertir-se. E para tudo isso era preciso inventar, ser original, ter
idéas.
Crearam-se os bancos; o credito, porém ficou o mesmo, isto é, um pouco
peior do que estava. O paiz năo melhorava a sua riqueza publica. Entăo o
governo pensou comsigo mesmo e disse:--Maldito bandido!--sempre
desassocegado e criança: por Deus, cautella! nem mais um passo...
E bandido--esperto abriu o olho e principiou a ver, ao longe uma cousa
que lhe fallava em inscripçőes e em fundos publicos. Olé! Olé! Cá está a
incognita! A elles, aos fundos publicos!
Ao que o sr. Salaverria sorriu ironicamente, como querendo
dizer:--Espera maroto, que te escacho!
E assim foi.
Bandido foi já derrotado na politica, no commercio, na industria, na
economia, nas artes e nas sciencias. Mas apesar de tudo elle năo
descrę. É forte, tem bom pulso, jámais teve uma dôr de dentes e nunca
cortou os callos, porque tambem nunca os teve. Abençoado patife! Creado
nas montanhas e industriado nas altas tricas da politica, elle só espera
momento opportuno para tornar a apparecer em campo.
E depois hăo de vel-o. Pois julgavam que elle era sujeito para se curvar
a qualquer Salaverria? Enganaram-se.
Nem a Salaverria, nem á honestidade. Unicamente elle tem em
vista--alcançar os seus fins sejam quaes forem os meios.
E assim é a Hespanha na sua evoluçăo social.
_Ah! Machiavel! ah! bandido!_
V
EDIFICIOS PUBLICOS E OUTRAS CURIOSIDADES HISTORICAS
Dizia um celebre escriptor allemăo que a vida era uma viagem em caminho
de ferro: o casamento um choque de trens; o somno a passagem de um
tunel; um negocio a passagem de uma ponte; o destino um machinista que
nos leva silencioso ao termo da viagem.
Nestas circumstancias, e a ser verdade o que nos diz tăo excentrico
pensador, parece, de facto, que ao homem nada mais resta neste mundo do
que uma vida de sensaçőes rapidas e imprudentes, sem um unico
pensamento, que o preoccupe, sem repouso, sem ligaçőes, sem familia, sem
crenças, sem humanidade.
E apesar de tudo, e sem embargo do auctor citado, o universo
apresenta-nos um aspecto perfeitamente em contrario do que acima
transcrevemos.
Por toda a parte a fixidez se nos antólha como elemento essencialissimo
na vida dos povos. Na evoluçăo das sociedades a primeira cousa que o
homem teve em vista foi certamente fixar-se, construir a cabana onde
tinha de pernoitar e estabelecer definitivamente a séde dos seus
trabalhos e operaçőes.
Imagine-se o leitor, em Madrid, no meio de uma praça irregular, que se
chama _Puerta del Sol_. É o coraçăo da cidade. Conta-se que em 1520
houvera alli um castello, sobre a porta do qual se encontrava uma
pintura representando o sol. Desde entăo para cá póde dizer-se que é
aquelle o logar destinado, aos despreoccupados do mundo, aos _flaneurs_
do bom tom e á fina _člite_ dos salőes madrilenos.
Que contraste! Na propria sociedade hespanhola, que mais pensa na
vida externa do que na vida interna, pacifica, de casa, nessa mesma nos
foi dado admirar a impretrerivel tendencia da natureza humana para o
viver confortavel, commodo, alegre e quasi poderiamos tambem dizer luxuoso.
Poucas familias ha, em Madrid, que năo tenham a sua casa,
excellentemente mobilada, e que, pelo menos, năo possuam o modesto
segredo do _savoir-vivre_, isto é, o segredo da conservaçăo e da hygiene
individual.
Sem sahir da _Puerta del sol_, o viajante poderá, se quizer, fazer um
telegramma aos seus amigos, dirigindo-se áquelle magnifico predio onde
actualmente se acha o ministerio da _governaçăo_, e poderá, tambem, se
assim lhe aprouver, tomar uma chavena de chocolate no magnifico _café
Imperial_ ou subir mesmo ao primeiro andar d'esse mesmo edificio, e
ordenar que lhe reservem um quarto no _Hotel de Paris_.
Sahindo da _Puerta del sol_ encontramos duas ruas quasi parallelas--a
rua _Alcalá_ e a _Carrera S. Jeronymo_. Na primeira d'estas ruas
eleva-se um soberbo arco triumphal, erecto no reinado de Carlos III, a
fim de perpetuar a memoria da sua vinda á côrte de Hespanha. Consta de
cinco entradas, sendo tres eguaes, no meio, e em fórma de arco, e uma
quadrada em cada extremo. A _Puerta de Alcalá_, a primeira de Madrid,
conta 70 pés de altura, com a seguinte inscripçăo:
REGE CAROLO III
ANNO MDCCLXXVIII.
Além d'esta ha ainda a _Puerta de Toledo_, situada no fim da rua do
mesmo nome, consagrada, no anno de 1827, a Fernando VII, o _desejado_.
E, visto estarmos fallando nas maravilhas da arte hespanhola, bom será
que năo esqueçamos as duas principaes praças da cidade--_la plaza de
Oriente_ e _la plaza Mayor_.
A primeira tem fórma circular, e é circumdada exteriormente por um
formosissimo passeio, onde estăo collocadas quarenta e quatro
magnificas estatuas, destinadas a representar os monarchas hespanhoes.
No centro da praça ergue-se a estatua de Filippe IV, symbolisando o seu
disvelo pela arte nacional, e dando-nos em allegoria o solemnissimo
momento em que tăo generoso monarcha se dignava condecorar o celebre
pintor Velasques com a cruz de Sant'Iago.
O theatro _real_ faz tambem com que este logar seja um dos que melhor
perspectiva apresentam na cidade.
A segunda--a _plaza Mayor_--foi construida em 1619, sob a direcçăo do
architecto D. Juam Gomes de Mora. É o logar destinado ás festas da côrte
hespanhola. Antigamente a fidalguia armada costumava, em actos solemnes,
esperar ali a sahida dos touros, que eram picados com a maxima destreza
e pericia por parte dos amadores da arte de Pepe-Híllo. Já por duas
vezes o incendio tentou destruir tăo formoso recinto. No seu centro está
collocada a estatua equestre de Philippe III, obra começada pelo
architecto Juan Bologna e terminada por Pedro Tacca.
Presentemente a _plaza Mayor_ acha-se reduzida ás condiçőes de um
deliciosissimo jardim e pouco mais.
Passemos, porém, ao _Palacio Real_. É uma das obras de arte, que mais
particular attençăo merece da parte dos entendedores.
Foi construido este palacio em meados do seculo passado. Situado no
extremo occidental da povoaçăo, precisamente no logar onde outr'ora se
erguia o famoso alcaçar de Madrid, a sua origem remonta, segundo uns, ao
reinado de Affonso VI, e segundo outros ao reinado de Pedro I. No cimo
da escada, que é de marmore, existe uma estatua de Carlos III, o qual,
parece, concorręra bastante para a melhoria d'aquelle edificio.
Começando pela fachada do Oriente, a pintura, que se vę na primeira
sala, representa o Tempo descobrindo a Verdade; na segunda encontra-se
Apollo premiando o talento; na terceira a queda dos gigantes, que uma
vez tiveram a ousadia de attentar contra os céus; na quinta a
apotheose de Hercules; e na sexta, septima, oitava e nona a
representaçăo da philosophia, da pintura, da musica e da poesia.
Além do que aqui deixamos mencionado, muito mais, porém, poderiamos
accrescentar. O _Palacio real_ é uma das maravilhas da capital de
Hespanha, já pela sua riqueza, já pelos seus valiosissimos quadros, já,
emfim, pela sua vasta opulencia.
Năo pára, comtudo, aqui a nossa admiraçăo. Cumpre egualmente năo
esquecer outras maravilhas da cidade, taes como o _Palacio do Senado_,
onde pela primeira vez se reuniram as côrtes hespanholas em 1820: o
_palacio do congresso_, edificio muito moderno, principiado a construir
em 1834, os _ministerios publicos_, as _reaes cavallariças_ situadas ao
norte do palacio, e ainda como reliquias de architectura dos seculos
XVI, XVII e XVIII até nós, os palacios particulares de _Medinacellí_, de
_Liria_, do _duque de Abrantes_, do _marquez de Salamanca_, etc.
E ainda, se o leitor fôr poeta e se interessar pelos grandes homens, năo
deixarei de recommendar-lhe a visita ás casas de Cervantes, de Lope de
Vega, de Torrijós, de Cisneros e da beata Maria Anna.
A casa de Cervantes, edificada na rua do mesmo nome, tem, por cima do
portal da entrada, em marmore branco, a seguinte inscripçăo:
_«Aqui vivió y murió Miguel de Cervantes Saavedra; cuyo ingenio admira
el mundo. Falleció em MDCXVI»._
Na parte superior está o busto do poeta.
A casa de Lope de Vega foi recentemente restaurada, e a de Torrijós,
celebre general, tem tambem um distico, em que se lę pouco mais ou menos
o seguinte:
_«Aqui nació el general D. José Maria Torrijós; defendia la
independencia e libertad de la patria e murió em 11 de deciembro de
1831, arcabuceado em Malaga por haber intentado restabelecer con las
armas la Constituicion»._
* * * * *
Agora, permitta-me o leitor que lhe offereça um charuto. Emquanto se
espera entremos aqui neste café, no café de Sevilha. Uma chavena de
chocolate năo lhe fará de certo mal.
--Rapaz!--Chocolate!...
VI
A INSTRUCÇĂO PUBLICA
«Deixae-me instruir a juventude, e eu reformarei o mundo»--dizia Leibnitz.
E assim é, com effeito.
Reforma que năo seja acompanhada de raciocinio, pecca por falta de
seriedade scientifica e por ausencia de dados positivos. E por isso é
que a Allemanha, pelo espirito de Luthero, e a França, pelo espirito de
Fénelon, foram sempre as primeiras a accordar o coraçăo do povo pelo sol
da instrucçăo. Jules Simon, o sympathico auctor da _Politica radical_,
tem consagrado quasi todos os annos da sua vida á soluçăo d'este
notavel problema; e a verdade é que a França, neste ponto, em nada fica
a dever ás naçőes, que, ainda mesmo como os Estados-Unidos, a Suissa e a
Belgica, caminham na vanguarda da civilisaçăo.
É ainda o mesmo Jules Simon que nos diz:
«No dia em que a lei obrigasse toda a gente a saber lęr, toda a gente
estaria mais perto da liberdade».
E assim deviam fallar todos os verdadeiros democratas; porque, sem
instrucçăo, é impossivel a educaçăo, do mesmo modo que sem o
desenvolvimento intellectual se atrophiaria o desenvolvimento moral.
E o homem năo é só intelligencia, mas tambem coraçăo. Desenvolver uma e
outra cousa é hoje a missăo da escola moderna, sanccionada pela
philosophia positiva.
Levasseur, acceitando a obrigaçăo da instrucçăo, pretende, comtudo, que
aos interessados se deixe a livre escolha de escola, confessando ao
mesmo tempo, que, onde as escolas escasseiam, ou onde a maioria da
populaçăo năo está no habito de concorrer a ellas, a experiencia prova
que a obrigaçăo năo passa de uma disposiçăo inutil; asserçăo que elle
confirma pelos exemplos de Portugal, Hespanha e Italia.
Emile de Girardin, o celebre publicista, que em duello matou Armand
Carrel, fazendo depois elle proprio a apologia do seu infeliz
adversario;--Emile de Girardin, embora năo combatesse a instrucçăo
obrigatoria, achava-a comtudo, ephemera e subjeita a erros. Assim como
ninguem obriga o seu semelhante a comer um pedaço de păo, assim nós
tambem năo podemos obrigar ninguem a ser instruido.
_Necessaria_, portanto, é que a instrucçăo devia ser, isto é, todos
deviam saber ler, contar e escrever--o que, _mutatis mutandis_, vinha a
dar o mesmo.
Em Portugal já a instrucçăo obrigatoria havia sido consignada no decreto
de 20 de setembro de 1844, onde a penalidade, imposta á negligencia das
familias, appareceu pela primeira vez neste paiz.
E, no entretanto, as escolas continuam sem frequencia, os methodos
peioram de dia para dia, o professorado anda equiparado aos creados das
cavallariças reaes, e nós, os preguiçosos do occidente, navegamos em mar
de bonança na quietaçăo mais materialmente feliz d'este mundo sub-lunar.
O sr. Levasseur, membro da _commissăo franceza_, na ultima exposiçăo
internacional de Vienna d'Austria publicou a estatistica do movimento
das escolas primarias nos diversos paizes do mundo, e achou que a
frequencia das escolas, no Baixo Canadá, está na relaçăo de 23 alumnos
por cada 100 habitantes, na França 13 por 100 e em Portugal 3 por 100.
Este facto, horroroso em si, năo nos é, todavia, extremamente desfavoravel.
Em Hespanha, onde a instrucçăo superior está tăo profusamente derramada,
a ponto de haver um sem numero de universidades, de escolas, de
academias, de archivos, de institutos e de bibliothecas; em Hespanha a
instrucçăo primaria, se năo é inferior, corre, pelo menos, parelhas com
o nosso paiz.
Quer-nos parecer que sem uma remuneraçăo, concedida pelo estado aos paes
de familia, nunca a instrucçăo _obrigatoria_ será levada por deante, na
peninsula. No inverno a grande distancia dos povoados a que ficam as
escolas, faz com que ellas sejam menos frequentadas; no verăo, as
colheitas obrigam os lavradores a năo dispensar seus filhos dos
trabalhos ruraes. E por isso é, creio, que de facto existe uma
desproporçăo enorme entre os algarismos da populaçăo rural e a
frequencia numerica das respectivas escolas.
Mas a Hespanha, _litterariamente_, ao menos, tem uma vida propria, sua,
original, ao passo que nós tanto na arte, como na politica, estamos
fatalmente destinados á morte e ao esquecimento.
Entre nós o ultimo poeta, verdadeiramente, interprete do sentimento
nacional foi Garrett. Desde entăo para cá a influencia da litteratura
franceza tem-se feito por tal fórma sentir, que os nossos poetas, embora
dotados de muitissimo talento e de vivissima imaginaçăo, mais parecem
conhecer a vida de Paris do que a vida de Lisboa; e de tal modo que
o nosso povo mal os lę, porque mal os entende tambem. O resultado é que
vamos atravessando um periodo de transiçăo e que a historia năo poderá
nunca registrar esta época, senăo como um facto accessorio da vida
portugueza.
E, cousa singular! a causa, que tăo poderosamente actua nos nossos
costumes e na nossa vida nacional, é a mesma que, passando por cima da
Hespanha nem sequer vestigios deixa da sua passagem. Victor Hugo,
assimilado e imitado pelos portuguezes, emprehendeu na sua infancia uma
viagem á Hespanha. «Essa viagem--escreve Castelar--tem analogia com a de
madame de Stäel á Allemanha. A eminente escriptora trazia o romantismo
idealista do norte, o sublime escriptor o romantismo pratico do
Meio-Dia; Stäel inspirava-se nos tristes e profundos sonhos de Joăo
Paulo Richter, Victor Hugo nos singelos versos do _Romancero_ e nos
conceitos de Calderon, impressos na consciencia, como esses listrőes de
materia cosmica, a que damos o nome de nebuloses, e dos quaes talvez em
cada minuto se desprende como uma gota de luz um novo planeta na
vastidăo do espaço. Victor Hugo sahiu de Hespanha com o animo
disposto a incendiar o templo dos deuses e da velha arte. Reinava
desassombradamente a poesia classica, desde a epoca de Luiz XIV. Se o
povo de 93 descobrisse esta realeza, tambem a teria derrubado no seu
incansavel afan de renovar a vida. Era a Academia, o Versailles, onde
aquella corôa estava enthesourada».
Podem os poetas hespanhoes năo ser melhores que os nossos, mas a verdade
é que săo mais originaes, e mais do seu paiz. Foi da Hespanha que partiu
o grito destruidor do velho convencionalismo poeta, em redor do qual se
haviam agrupado Racine, Voltaire, Corneille o outros. E esse
revolucionario audaz e intrepido foi Lope de Vega.
A vida litteraria de Hespanha é tal que só em Madrid se publicam
aproximadamente 60 jornaes. Da _Universidade Central_, situada na rua de
S. Bernardo, e dividida em 6 faculdades, sahem annualmente para cima de
cem bachareis.
Por onde se vę que a instrucçăo superior em Hespanha tem attingido um
enormissimo progresso; progresso, em nosso entender, que lhe ha de
assegurar sempre virilidade, independencia e vida propria, o sufficiente
para que uma naçăo, em poucos annos, se eleve e conceitúe no animo dos
seus inimigos.
E posto isto, tratemos d'outro assumpto.
VII
TEMPLOS E RELIGIĂO
Desapparece o carnaval, e a mulher hespanhola, de todas as mulheres do
mundo a mais alegre, a mais festiva e a mais ruidosa, sacode os seus
cabellos, desgrenha a sua fronte, pintada a carmim, rasga a sua ligeira
mascara de seda, pőe de parte o seu vestuario extravagante, descalça os
seus sapatinhos de setim, toma o seu véo de Sevilha, calça a sua luva
preta, e penetra soberanamente no templo, onde o Christo a aguarda,
para, num sorriso de perdăo, a absolver das suas culpas e dos seus
peccados.
É que ella, a feiticeira, comprehende o mundo, tal como elle é--de
alegrias e de tristezas, de esperanças e de duvidas, de amor e de
descrença, de riso e de lucto, de primavera e de outomno, de vida e de
morte.
O templo veste-se de negro; o orgăo faz resoar os seus canticos
plangentes; Jesus, a pallida creança, ostenta uma face macerada, e o
padre, oh! o padre, o grande ladrăo!--como raposa que espreita o
galinheiro innocente, acocora-se no confissionario, á semelhança de
gallo, que em materia de instinctos é useiro e vezeiro.
E tu, minha pobre peccadora, ó minha querida--terás de ouvir
silenciosamente, concentradamente, todos os lamentos do propheta, todas
as dôres da măe, todas as lagrimas dos pequeninos.
Um dia levantar-te-has mais cedo; com ar triste e melancolico seguirás a
via do resgate; ajoelharás timidamente deante do sr. cura da freguezia,
que depois te dará a communhăo.
Que maldicta manhă năo passarás, minha pequena
catholica!--lembrando-te das travessuras de que a consciencia te năo
accusa, e tendo de abrir ao padre, ao negro carcereiro da tua alma, os
segredos que te văo no coraçăo atribulado.
Mas tu tens pae, bem o sei; tua avó năo te dispensará o sacrificio de
todos os annos, e tua propria mamă exigirá de ti nesse dia um beijo e um
affecto.
Que louca extravagancia! Confessar-se a gente a um homem desconhecido,
que toma rapé e usa lenço encarnado, quando, ao contrario, podia revelar
a sua vida ao ente predilecto da sua existencia, áquelle, que, _au clair
de la lune_, fuma debaixo das nossas janellas um delicioso _breva_ e nos
diz umas doces palavras mysteriosas....
E depois--que horror!--cahir no velho tumulo catholico, quando toda a
natureza, como que por contraste, é um encanto e um paraizo?!
_Oh! mon Dieu, que c'est trop fort...._
Mas, emfim, sevilhana amiga, tu que, durante o carnaval, escapaste, de
uma bronchite, faze tambem diligencia para, durante a quaresma, te
furtares á insolita constipaçăo catholica.
_Á la belle etoile_ cantaremos e libaremos aos nossos amores. Bem vęs
que o convite attrahe. Tu fallar-me-has no bigode preto do teu amante,
nos seus cabellos de azeviche, na sua fronte pallida, nos seus olhos
profundos e apaixonados; de tudo me has de fallar, gentilissima menina,
que, eu, no entretanto, sem deixar de ouvir-te, irei preparando uma
delicadissima ceia, toda ella de boas aves saborosas e de finissimos
vinhos francezes.
Acceitas? Por Deus năo pretendas imitar o lyrismo de Santa Thereza,
aquella boa alma mystica, que «_morria de năo morrer_!»--ou antes «_por
năo morrer_». É verdade que escusas tambem de seguir _madame_ Roland,
indo para o cadafalso, vestida de branco e Carlota Corday apunhalando
Marat; escusas mesmo de te aproximar de _madame_ de Maintenon, no seu
odio contra a religiăo protestante: e escusas tambem de ser Joanna
d'Arc, uma Margarida d'Anjou, uma Joanna de Montfort. Tudo isto seria
desnecessario e inutil. Para serdes respeitadas e felizes, bastava
apenas, minhas boas andorinhas ideaes, que vós possuisseis o orgulho
e a consciencia das vossas acçőes; porque emfim, se o homem é o orgulho
de Deus, a mulher é o orgulho do homem, como mui judiciosamente escreveu
um espirito comtemporaneo.
Conta-se que o chefe arabe dissera da actriz Rachel:--«É uma alma de
fogo num corpo de gaze», e que a actriz, á hora da morte, exclamára:--«O
fogo queimou a gaze!»
Assim, pois, que a minha gentilissima hespanhola năo possa tambem nunca
dizer, á imitaçăo de Rachel:--_O fogo matou a mulher!_
* * * * *
Em Madrid os templos săo de somenos importancia. E, embora a religiăo
catholica-apostolica tenha ali fanaticos e fanaticos decididos, năo nos
parece que os edificios destinados ao culto sejam dignos de uma mençăo
especial. Ao ouvir fallar nas cathedraes de Cordova e Sevilha, de
Toledo e Burgos, de Valladolid e Zaragoza, quasi se nos afigura
impossivel, senăo mesquinho, que Madrid năo possua tambem o seu templo
official. A verdade, porém, é que, apesar de todas as tentativas, ainda
até hoje năo foi possivel levar por deante o velho projecto da
edificaçăo de uma cathedral na côrte de Hespanha.
Entretanto, forçoso é confessar, que poucos paizes ha na Europa onde o
fanatismo religioso tenha attingido tăo elevadas proporçőes de
hypocrisia e de retrocesso. Philippe I assemelha-se a Luiz XI, o qual
antes de mandar enforcar qualquer subdito do seu reino, supplicava
sempre a Nossa Senhora, cuja imagem trazia no _bonnet_, para que tivesse
dó d'elle, e assim tambem a Hespanha deve a Philippe I uma grande parte
do seu carlismo e da sua reacçăo.
Os hospitaes, todavia, as casas de beneficencia, os asylos, e as
associaçőes philantropicas săo innumeras em Madrid. A alta sociedade
exerce mesmo a caridade em larga escala. Unicamente nos parece que a
razăo publica entra pouco n'estas cousas.
Seja, porém, como fôr, o certo é que um pouco menos de fanatismo e
alguma cousa mais de raciocinio, nenhum mal faria a Hespanha.
Porque, de facto, uma nacionalidade que possue criticos tăo notaveis
como Francisco Maria Tubino, director da excellente revista _La
Academia_, e poetas tăo distinctos como D. Ventura Ruiz Aguillera,
fundador do magnifico _Museu archeologico_, e Zorrilla, o arrojado
trovador peninsular, que, por fórma alguma, deve ser confundido com o
politico, seu homonymo; uma nacionalidade tăo forte e tăo vigorosa
sempre merece ser mais alguma cousa do que uma simples expressăo dos
velhos tempos theologicos.
Toda a vida de um paiz se resume numa palavra--bom-senso.
VIII
A POLITICA[1]
(CONTRASTES)
Ainda hontem a vimos expulsa da patria, que ella de creança aprendera a
renegar no vilissimo ensinamento de um jesuitismo perverso; ainda
hontem, humilhada, mas năo contricta, lhe mostravam as bayonetas
nacionaes que năo podia ser aquelle o coito das suas devassidőes
infrenes; ainda hontem, offendida no seu amor proprio, e sempre
arrogante, ella transpunha os Pyrineus, como as columnas de Hercules,
por onde jámais lhe seria dado volver ás terras das suas hybridas
façanhas e ao solar das suas sabidissimas intrigas.
E no entretanto esse magnifico sol, que parece ter brilhado para toda a
Europa, no explendido fulgôr de uma vivissima luz, apagou-se subito no
horisonte, deixando empós de si o triste e doloroso prenuncio de uma
tempestade eminente.
E, coisa singular, nada faltou áquelle dia de festa.
Ayalla coloria o seu estylo brilhante; e com as côres douradas da sua
divina palheta, quasi se sentira feliz por festejar aquelle sahimento
funebre de uma mulher, justamente condemnada pelos fastos da historia e
merecidamente repellida pelos progressos da humanidade; o duque da Torre
alçava para o céo a sua cabeça de cidadăo arrojado, congratulando-se com
os seus e com os estranhos pela victoria da justiça do seu paiz:
Sagasta tinha a convicçăo de uma grande causa conquistada, e
persuadia-se ter concluido uma obra meritoria; Prim, o esforçado
batalhador de Marrocos, ostentava em pleno dia as alegrias que lhe iam
na alma, e as esperanças que se lhe occultavam no coraçăo; Castelar,
emfim, com todo o arrojo da sua notavel eloquencia, suppozera-se
victorioso, e victorioso para sempre.
Mas, coisa ainda mais singular! todas estas acclamaçőes de momento,
todas estas palmas improvisadas, todos estes delirios de occasiăo, todas
estas festas, todas estas vertigens, todos estes rumores, cahiram, n'um
minuto, inesperadamente, abruptamente, revelando-nos, mau grado nosso,
que a politica foi, é, e será sempre a suprema contradicçăo das cousas
humanas e a mais evidente demonstraçăo de quanto a humanidade é
inconstante, leviana e traiçoeira.
A entrada de Isabel II em Hespanha é a abjuraçăo cabal da revoluçăo de
Cadiz.
Pouco nos importa que o sr. Sagasta fosse agora o primeiro a
cumprimentar a ex-rainha expulsa, acceitando-lhe o retrato e as
perfidias; pouco nos importa que o sr. Ayalla abra tambem o cofre dos
seus gabos e a cornucopia da sua generosidade. Tudo isso é do mundo, e
nós estamos no mundo. Unicamente, nós temos direito a perguntar aos
nossos vizinhos qual é actualmente o seu rei.
Quem governa? Isabel II ou Affonso XII?
A abdicaçăo da rainha por ninguem foi ainda reconhecida. Năo é ella de
facto que occupa o throno, sabemol-o; mas na realidade é ella quem
governa, desde o momento que o consentimento lhe foi dado, para de novo
residir no palacio _del Oriente_.
Que diria a isto Prim, o heroe de 1868, se por acaso hoje vivesse? Que
dirăo a isto os senhores liberaes de Hespanha, que, por suas proprias
măos, acabam de cavar o proprio sepulchro? E que fará o sr. Canovas del
Castillo, o amigo duvidoso da ex-rainha?
E a Hespanha, a nobre filha da peninsula, consentirá impunemente n'este
attentado contra a sua dignidade? Volverá ao nefasto governo dos Clarets
sem um protesto, sem um brado de indignaçăo, sem uma affirmativa do seu
brio e do seu pundonor?
Nada temos com personalidades. A politica pessoal é, de todas as
politicas, a mais detestavel e a mais perniciosa. Mas se isto nada é, o
principio é tudo. É forçoso respeital-o e seguil-o. De outro modo năo ha
paiz que se sustente, da mesma maneira que sem leme é impossivel a
navegaçăo no mar.
Amadeu I, pela sua demasiada simplicidade, năo logrou nunca que os
hespanhoes o guindassem ao fastigio da gloria. Muito bem. O sr. Zorrilla
dispensa-o do seu serviço, e prepara-se para dirigir a politica do seu
paiz. Mas, ó incoherencia! o proprio sr. Zorrilla, segundo affirmaram
alguns, é o primeiro a divorciar-se dos republicanos, emigrando e
dizendo-se apenas radical. E, por incoherencia ainda, é elle hoje o
conspirador por excellencia, e, segundo todas as vistas, o chefe do
futuro gabinete republicano.
E tăo odioso é de facto o seu nome ao actual governo, que, ainda ha
pouco, o jornal _El Globo_, orgăo do sr. Castelar, e de que é director o
sr. Olías, foi supprimido por apenas lhe ter estampado a photographia na
primeira pagina.
E esta suppressăo indigna, violaçăo manifesta do direito, da justiça e
da propriedade, foi feita sem denuncias, sem accusaçőes fiscaes e sem
que os tribunaes fossem, ao menos, ouvidos.
Tal é, em geral, o fructo dos governos restauradores!
Quando Affonso XII subiu ao throno năo faltaram, nem as apostas, nem os
protestos, nem as indignaçőes.
Mas tudo isso passou. E _el nińo de su madre_, o pequeno authomato dos
tempos modernos, convicto de que o seu reinado havia de ser de ouro,
sentou-se no throno, com o serenidade de um fingido Bourbon, sem
consciencia e sem reflexăo.
Agora, porém, falla-se com insistencia numa nova revoluçăo. Madrid
agita-se; o exercito divide-se; a fazenda publica está num estado
desesperador; a populaçăo descrę; tudo isto, aggravado ainda com a vinda
da rainha Isabel para Madrid, que a todos inspira odio e antipathia, faz
suppôr que o movimento revolucionario se năo demorará muito no seu
apparecimento.
Ninguem hoje tem o poder de resuscitar cadaveres. A elevaçăo de Affonso
XII ao throno nunca passou mesmo de uma mera phantasmagoria politica,
especie de entreacto entre o passado e o futuro. Hăo de tornal-o a
enterrar, estou convencido, e sem grande difficuldade.
Conta-se que num jantar, ultimamente dado em Barcelona, se reuniram seis
politicos de vulto. Travada a discussăo viu-se que cada um d'elles
professava opiniăo differente ácerca do estado geral da patria.
Progrediram assim as cousas; e de tal maneira que, no fim do banquete,
os copos voaram pelos ares ao clamor estridulo e confuso de uma contenda
infernal. Ninguem se entendia. O meio de persuasăo estava já nos punhos
arregaçados e nos calices feitos pedaços. Finalmente parece que tăo
delicioso repasto terminou, sem levar a convicçăo ao espirito dos
convivas, é verdade, mas deixando-lhes, todavia, a liberdade do vinho
absorvido, e a gloria dos destroços por cada um operados em favor da sua
causa.
E assim é, em quanto a nós, tambem a politica em Hespanha--uma
Babylonia!
[1] Este artigo, embora restricto a um facto particular da
actual dynastia reinante em Hespanha, póde, todavia, ampliar-se
á politica geral do paiz, e por elle ser criticada.
IX
MUSEUS
No seculo XVI, ao mesmo tempo que tudo decahia em Hespanha--politica,
commercio, industria--como que para contrastar, surgia, por outro lado,
o primeiro poeta hespanhol, Calderon, e o primeiro pintor, Velasquez.
E desde entăo para cá as artes e as sciencias tęm tomado um incremento
verdadeiramente assombroso; a ponto de, ainda ultimamente, muitos
professores da Universidade de Heidelberg, varios homens politicos
francezes, e alguns sabios de Inglaterra, se terem reunido afim de
lançar os primeiros fundamentos da Universidade livre de Madrid, que o
sr. Canovas del Castillo referiu que se chamasse _Instituto livre de
ensino_.
Em todos os museus de Madrid, que săo muitos e admiraveis, se encontra a
immortalidade da historia hespanhola aliada á eloquencia do genio e da
inspiraçăo individual.
O Museu real de pintura e esculptura, situado no passeio do Prado, é
ainda hoje um dos melhores do mundo, e foi fundado por Fernando VII, a
rogo de sua esposa Maria Christina.
Impossivel nos seria dar aqui uma resenha historica de todos os
principaes quadros que adornam aquelle paraiso. Apontaremos no entanto
alguns.
A escóla de pintura _hespanhola_ resente-se extraordinariamente do
catholicismo que lhe servia de inspiraçăo. Assim, para exemplo, pódem
ver-se, entre outros, os quadros de Murillo, um, symbolisando a
_Annunciaçăo de Nossa Senhora_, outro, representando a _Familia
Sagrada_, outro desenhando a _Concepçăo_, etc.; e os de Velasquez,
que tem um _Nosso Senhor Crucificado_ maravilhosamente acabado, assim
como um outro intitulado o _Quadro dos bebedores_; os de Rivera, que
produziu o _Martyrio de S. Bartholomeu_, _S. Jeronymo em oraçăo_, etc.;
e os de Zurbaran sobre assumptos mysticos, e os de Goya, que realça
principalmente por um retrato a cavallo de Carlos IV, etc.
A escóla _florentina_ é, como a hespanhola, uma escola religiosa. Assim,
temos de Leonardo de Vinci dois esplendidos quadros: o retrato de Mona
Lisa, mulher de D. Francisco Gicondo, cavalleiro florentino, e a
representaçăo da _Familia Sagrada_, tendo S. Joăo e o menino Jesus em
attitude de se beijarem; de Andréas del Sarto, chamado Andrea Vennucci,
um retrato em busto de sua mulher Lucrecia Fede, e muitos outros; de
Miguel Angel Buonarroti um _Nosso Senhor atado á columna_; e, como
estes, outros de Bronsino, de Allori, de Carducei, de Vanni, etc.
Na escóla _romana_ o principal expositor é Sanzio Rafael, chamado
Urbino, que possue, entre outros, _A queda de Nosso Senhor Jesus
Christo com a cruz_, conhecido pelo nome de _Pasmo de Sicilia_, e muitas
allegorias á familia sagrada, umas conhecidas por _Ecce Agnus Dei_,
outras pela _Rosa_, outras pela _Perola_, etc. Seguem-se-lhe Julio
Romano, Sassaferrato, Barroci, etc.
Na escóla _veneziana_ o mais importante é Piciano, que tem uns
magnificos quadros de Carlos V a cavallo, de Jesus Christo apresentado
ao povo, do peccado original, da Victoria de Lepanto, da Virgem das
Dôres e do _Ecce Homo_; depois temos Bellino, Tintoretto, Bassano e mais
alguns.
As menos notaveis, talvez, neste museu săo as escolas, _bolonheza_,
_lombarda_, a de Milăo, e a de Napoles, as quaes, năo obstante, ainda
apresentam nomes como os de Corregio (_lombardo_), Dominiquino e Guido
(_bolonhezes_) e Salvator Rosa (_napolitano_).
Nas escólas _franceza_, _hollandeza_ e _allemă_ ha cecebridades, como
Pedro Paulo Rubens, que apresenta o _Castello de Emaus_, _A serpente de
metal_, _Orpheu e Euridice_, _A dança dos paizanos_, _As tres
Graças_, _Perseu libertando Andromeda_, e outros, sendo 62 a somma total
dos seus quadros, ali expostos, a 28 os da sua escóla.
Antonio Van Dyck dá-nos retratos admiraveis, taes como o do pintor David
Rickart, o da duqueza de Oxford, o de Carlos I a cavallo, e o de D.
Henrique, conde de Berga.
David Teniers é pintor quasi bucolico, e offerece-nos quadros d'um mimo
inexcedivel--_Um colloquio pastoril_, _Uma festa de paizanos_, _Um
banquete campestre_, etc.
Antonio Raphael Mengs (allemăo) é auctor de _Santa Maria Magdalena_;
Rembrandt (hollandez) tem _A rainha Artemisa_; e Moso Antonio (da mesma
escóla) pintou a esposa de D. Joăo III, rainha de Portugal.
A escóla franceza tambem ali se acha dignamente representada por Pousin,
Claudio de Lorena, Antonio Watteau, Claudio Vernet e muitos mais.
Emfim, só a narraçăo circumstanciada d'este museu daria para um grosso
volume, năo incluindo já na conta a galeria de pinturas da _Academia
de S. Fernando_, na rua de Alcalá, que possue mais de 300 quadros, e o
_Museu nacional de pintura_, na rua da Atocha.
Se o leitor fôr curioso, com certeza năo deixará de visitar os _museus_
de Madrid, que evidentemente constituem os monumentos mais notaveis da
civilisaçăo hespanhola.
Só no _museu de antiguidades e medalhas_, na Bibliotheca nacional, se
pódem ver mais de 98:000 medalhas de ouro, prata, ferro, bronze, cobre e
barro, e muitissimas e numerosas antiguidades egipcias, etruscas,
gregas, romanas, godas, arabes, etc.
Na rua de Alcalá encontra-se o _Museu de historia natural_, que foi
fundado no tempo de Carlos III, e que possue ricas collecçőes de
mineralogia, de paleontologia e de zoologia.
Dos melhores do seu genero săo tambem o _Museu anatomico_ de S. Carlos,
na rua da Atocha; o _Museu de artilheria_, no Buen Retiro, e o _Museu
naval_ no ministerio da marinha, o qual contém uma rica collecçăo de
armas, tropheus, e outros muitos vestigios de guerra e de combate.
Em Hespanha ha uma tendencia especial para esta arte. Raros săo os
particulares que năo possuam tambem o seu museu.
Um vi eu que me maravilhou devéras. Pertencia a Romero Ortiz. Entre
outras raridades, foi-me dado vęr ali o mappa em que o general Moltke
traçára a guerra franco-prussiana, e a faixa encarnada que Prim tinha
cingida á cinta na noite em que o assaltaram. Muitas reliquias
portuguezas me foram tambem mostradas, e creio até que uma do fallecido
visconde de Castilho.
Năo ha de facto palavras que facilmente descrevam tanta arte, tanto
aceio e tanta maravilha.
Sobretudo--que maravilha!
X
A MUSICA
Poucas cidades ha já hoje na Europa que năo tenham o seu theatro lyrico.
A musica năo é apenas um entretenimento agradavel; é ainda mais, uma
necessidade impreterivel.
Aos domingos e dias santificados, aquelles que, por falta de meios, năo
podem concorrer a espectaculos pagos, procuram naturalmente os jardins
publicos, onde, gratuitamente, lhes é dado ouvir uma orchestra ou uma
banda musical. E assim, este simples divertimento faz com que muitas
vezes se afastem da taberna muitos centenares de operarios. É que a
attracçăo de uma boa musica traz-nos frequentemente o esquecimento das
proprias dôres e dos proprios soffrimentos.
Tres escólas se disputam a palma no campo da lucta.
Uma (a escóla allemă) é a harmonia: raciocina, descreve as lendas do seu
paiz, e obriga á reflexăo; outra (a escóla italiana) é a melodia: corre
atraz da sua imaginaçăo, queda-se com um sentimento triste, expande-se
com a dôr, e recolhe-se com o amor. A primeira é grave, solemne,
austera, e pertence naturalmente aos povos do norte; a segunda é meiga
como uma mulher portugueza, leviana como a natureza em que vivemos, doce
como os costumes da Italia, e a sua vida está subordinada aos povos do
meio dia.
Na _Africana_, por exemplo, ha gritos selvagens, notas lancinantes,
harmonias plangentes; mas tudo isto com a inexcedivel pericia de um
maestro consciencioso, e, sobretudo, pensador.
Beethoven tem o condăo maravilhoso de nos compellir ao estudo, á
concentraçăo intima, ao seguimento de uma idéa, que é como que o
desabroxar do espirito para um mundo novo.
Grottschalk e Mendelssohn tęm nas suas composiçőes o cunho indelevel da
tristeza, prevęem a morte, e cantam-n'a. Năo tęm horror ao mysterio, e
por isso as suas partituras avivam em nós um năo sei quę de vago, de
indefinido, que involuntariamente nos obriga a interrogar os arcanos da
consciencia.
Mozart tem uma certa vivacidade que seduz; em meio das suas lucubraçőes
pára, e, espraiando a vista pelos horisontes além, sente-se feliz, e
sorri; e tăo formosos săo os seus sorrisos, que d'elles, como se fossem
um sol, partem os raios animadores das suas obras monumentaes.
Ricardo Wagner, hoje o maior vulto musical da Allemanha, tem nas suas
obras, a par do rythmo, profundamente cadenciado e harmonico, uma feiçăo
notavelmente litteraria e artistica; estudando as lendas do seu paiz,
conta-as com a superioridade de uma grande potencia, a quem năo
escasseia nem o genio nem a phantasia.
A terceira escóla é a franceza, sem ideal definido, portentosa umas
vezes, com os arrojos de Meyerbeer, e suavemente deliciosa n'outras
occasiőes, com as meigas melodias de Bellini ou Donizetti. E no
entretanto uma coisa distingue esta escóla: é a _verve_, o frescôr
animadissimo, transparente, que se exhala de todas as notas; a harmonia
que nos leva á meditaçăo; a melodia que nos arrasta os sentidos, á
selhança de quem vive numa atmosphera impregnada de vapores e de perfumes.
A escóla franceza tem, é verdade, muito de condemnavel como escóla
_ecletica_; mas ainda assim năo devemos nunca esquecer que a ella
pertencem talentos soberbos, como o de Gounod, compositor do _Fausto_,
e o de Berlioz, auctor do _Manfredo_, que para muitos foi o predecessor
de Ricardo Wagner, e o de Auber, e o de Herold e o de muitos outros.
A escóla franceza é, pois, uma intermediaria entre a escola _allemă_,
toda _subjectiva_, inspirando-se nos grandes arrebatamentos da
consciencia humana, cheia de gravidade, como a justiça, rodeada de
esplendores, como a verdade e infiltrada de meditaçőes, como o espirito
da humanidade, e a escóla _italiana_, toda _objectiva_, obedecendo mais
ás impressőes dos sentidos, tendo por norma de vida o ideal da natureza,
cercada de flôres, de primaveras e de aves, e cantando o paraizo ao som
das intimas alegrias e dos intimos prazeres.
Os _dilletanti_ do nosso theatro lyrico quasi que chegam a menosprezar
hoje a musica italiana, por obnoxia e anachronica.
Năo nos parece razoavel semilhante proposito. A năo ser a moda, năo
sabemos que outros factos possam abonar tăo disparatada opiniăo.
Portugal năo tem uma educaçăo musical verdadeiramente avigorada. Está
longe ainda de poder attingir o classicismo allemăo.
Depois, nós somos um povo peninsular. Vivemos com as impressőes
exteriores da natureza; o nosso espirito segue as oscillaçőes da
temperatura atmospherica; somos frouxos, levianos, sem o vigor que dá a
consciencia nem a elevaçăo que nos traz a idéa: a nossa escóla ainda
ha de ser por muitos annos a escola italiana.
A musica constitue, como a litterutura, a genuina expressăo dos
sentimentos de um povo. A França, que ri sempre e a proposito de tudo e
de todos, năo podia deixar de ser a patria da comedia moderna; por
eguaes razőes a Inglaterra, que se alimenta de fumo e de _spleen_, se
năo possuisse Shakespeare, o sublime tragico, possuiria de certo
qualquer outro que lhe interpretasse os sentimentos e as paixőes, com a
mesma eloquencia com que o soube fazer aquelle divino artista; a
Allemanha, á semelhança de quasi todos os paizes do norte, é mais
inclinada ao drama symbolico, de que o _Fausto_ é um exemplo
maravilhoso, do que ao drama de paixăo, que pertence naturalmente á raça
latina.
O genero musical mais favorito, em Hespanha, é o _tango_, a _habańera_,
a _malagueńa_, a _seguidilla_, n'uma palavra a--zarzuella, com feiçăo
especial e caracteristica, podendo tomar-se como mais uma affirmaçăo do
genio bandoleiro hespanhol, e do espirito aspero, violento e
contradictorio d'aquelle esplendido paiz.
Que a musica entre os hespanhoes é originalissima, sabem-n'o todos. E
por tal fórma é isto verdade que jámais povo algum do mundo foi capaz de
assimilar-lhe a inspiraçăo, o rythmo e o cadenciado da phrase.
A Hespanha ficaria incompleta se porventura lhe subtrahissem este genero
de musica, de todos os generos o mais monotono, talvez, mas com certeza
o mais espontaneo, porque é a expressăo das suas tradiçőes e da sua
nacionalidade.
Rara é a mulher em Madrid que năo sabe cantar. O proprio amor madrileno
é um tango, em que a amada ou a amante ora quer, ora năo quer, ora
solluça e ora ri, ora finge e ora pensa.
D'este modo vę-se que a musica em Hespanha, producto natural d'aquelle
paiz é como tudo o que alli existe--uma contradicçăo agradabillissima, e
talvez mesmo que um sonho encantador.
Mais adeante, porém, voltaremos a este assumpto.
XI
O CHOCOLATE E O CAFÉ
Eu havia realmente feito uma idéa da minha querida _seńorita_; mas, por
Deus, ella, a caprichosa, está muito acima da minha pobre imaginaçăo.
Madrid já năo é simplesmente a mulher formosa, que ao sopro da
_ventarola_ agita os olhos avidos e curiosos, inflammada na eterna
chamma do amor e docemente embriagada pelo _Xerez_ do sentimentalismo
peninsular. Năo. Madrid é mais alguma coisa do que isso--Madrid resume
em si a altissima idéa industrial do chocolate e o singularissimo
pensamento politico do café.
Peço perdăo, minha senhora, se porventura fui menos claro no modo de
exprimir a minha idéa. Eu me explico. O chocolate é aqui o nosso
companheiro inseparavel, o nosso _bâton_ da manha e a nossa _badine_ da
noite.
Pela madrugada, ao descerrar a palpebra, ainda meio adormecida pelo
vivido enthusiasmo d'este _magasin_ pittoresco--a leitora será
mansamente despertada no seu leito, năo por um formosissimo sol de
abril, mas sim por um mysterioso toque symbolico na porta do quarto, o
que lhe indicará muito claramente que, năo longe d'ali, a está esperando
uma gentil creadinha com uma simples chavena de chocolate.
E, ou queira, ou năo queira, ha de tomar o chocolate; do mesmo modo que,
se estivesse no Brazil, havia de tomar café sempre que visitasse um
amigo, e na China havia de aturar o chá vinte vezes por dia.
Ora, em caso de luta, eu prefiro o chocolate, porque, emfim, nem nos
torna nervosos, como o café, nem anemicos como o chá; que a fallar a
verdade elle--que para a Hespanha é o caracter, o amor, a vida, a
poesia, o commercio, a industria, a politica, a arte--elle, o chocolate,
é sobretudo nutriente e impregnado de substancias vivificadoras.
Pobre Hespanha! Alegre filha do estreito Manzanares, eu, em ti, năo
canto as mulheres, nem as mantilhas de Sevilha, nem os teus risos
infernaes--eu, em ti, formosa, canto, apenas, o chocolate e o café, isto
é, a revoluçăo e o futuro.
Pois julgam que năo? Năo acreditam na efficacia do chocolate, o escuro
semsaborăo? Perguntem a s. s.Ş, o dono da fabrica de _la Saragoza_.
Perguntem-lh'o. Tenham a bondade de perguntar-lhe qual é o seu consumo
diariamente.
Os hespanhoes săo alegres, cheios de vida, dormindo pouco, saindo muito,
falladores, enthusiastas. E sabem porquę? Por causa do chocolate, o
mysterioso, que traz sempre estes ventres bem fartos, e, portanto,
orgulhosos de si mesmo.
A Hespanha passeia muito, é ligeira nos seus affectos, caprichosa na sua
politica, sonhadora, aventureira, risonha. E sabem porquę? É porque ella
precisa de fazer a digestăo do seu chocolate. E por isso ella, a
olympica, faz duas ou tres corridas por anno por politicas differentes,
e inventa revoluçőes, que, por causa do chocolate, apenas poderăo durar
poucos mezes.
As mulheres voam como andorinhas; correm de coraçăo em coraçăo, săo
seductoras, amaveis, familiares, intimamente affectuosas, mas tudo isto
com azas, e portanto, com perigo.
Ora é por isso que eu ouso dar um conselho a s. s.as os srs. maridos de
Hespanha--năo dęem chocolate a suas esposas, se é que realmente amam
mais o seu _mčnage_ do que o _boulevard_.
Agora o café.
É um _pendant_ ao primeiro: ambos săo negros, como suas reverendissimas
os senhores jesuitas que por aqui caminham aos centos.
O café é o complemento do chocolate. Vive-se n'elle, e n'elle se
apura a linguagem, a _toilette_ e o bem-senso.
As mulheres conciliam no seu coraçăo o amor do profano e o amor do
sagrado. Entram no templo catholico com o mesmo _sans façon_ com que
entram no templo social. Porque o café--talvez a leitora o ignorasse--o
café é tambem um templo.
E que templo, minha querida marqueza! De tudo se encontra ali desde o
fidalgo da regencia _ci-devant_ até ao maratista sans-cullote.
Venha v. ex.Ş a Madrid aprender a egualdade humana. Venha tomar aqui uma
chavena de café, e verá como, embora desconheça a liberdade, v. ex.Ş
fallará na egualdade. Venha, minha senhora. Năo se arreceie dos
carlistas, que esses bandidos já hoje năo vivem, e pertencem á historia.
Quando S. M., o sr. D. Affonso XII, houve por bem entrar em Madrid,
depois de concluida a guerra carlista, a cidade embandeirou-se,
illuminou-se, gritou, exclamou, abriu a bôcca. E sabem tudo porquę?
Porque a cidade havia tomado muito chocolate. Sem _blague_. Estavam
todos fartos de chocolate, e a vingança foi digerir o patriotismo,
abertamente, rasgadamente, como qualquer leăo do deserto.
Só a tropa năo havia tomado a sympathica droga, e, por isso, ella entrou
na cidade esfarrapada, com as faces crestadas pelo sol das montanhas,
que năo pelo sol das batalhas, e olhos encovados e lobregos. Por isso o
primeiro dever de sua magestade o sr. D. Affonso XII será mandar vestir
os que estăo nús e dar chocolate a quem tem fome.
Que sua magestade seja misericordioso. Que sua magestade se inspire no
amor do proximo e no bem da humanidade!
Sua magestade é rapaz, que năo prima pela formosura, mas que poderá, de
certo, primar pelo espirito. Eu năo tenho a honra de conhecer sua
magestade. Sei que entrou em Madrid, e que a estas horas--tres da
tarde--já terá tomado chocolate no seu palacio de _la Plaza de Oriente_.
Deve ser-lhe de bom proveito, porque, emfim, sua magestade como
primeiro cidadăo do seu paiz, tem de andar sempre bem alimentado, porque
muito tem que trabalhar.
Que sua magestade, portanto, haja por bem engordar e deitar fóra a
magreza que o devora, e tornar-se rijo, como qualquer dos seus soldados.
Que sua magestade, como bom catholico, se digne implorar da providencia
tăo alta mercę.
Que sua magestade, reinando _por graça de Deus_, năo seja frouxo nem
anemico.
Que sua magestade, emfim, tome muito chocolate, para assim angariar a
estima de seus subditos e o amor do proximo!
Que sua magestade năo tenha pejo de entrar no café; que entre no café,
que questione, que se torne hespanhol, tomando a sua capa, e passeiando
pelas ruas da cidade, como qualquer humilde mortal.
Posto isto nós năo temos mais que dizer a sua magestade.
E, portanto, que sua magestade passe muito bem, e me honre com as suas
ordens sempre que assim lhe aprouver.
* * * * *
Entre os muitos e notaveis cafés de Madrid, avultam, principalmente, o
_Imperial_, o _Oriental_, o das _Columnas_ e o de _Levante_, na Puerta
del Sol, o _Suisso_, na rua de Sevilla, o da _Iberia_, na Carrera de S.
Jeronymo e o _Fornos_ na rua de Alcalá.
O viajante que escolha á sua vontade; na certeza de que em todos elles
encontrará vida, apetite e enthusiasmo.
Portanto--_ŕ l'aventure_!
XII
O SALERO
Por Deus, que se tivesse agora de fallar numa mulher franceza, eu, á
semelhança de um prégador d'aldeia, invocaria em meu auxilio, năo a
virgem pura dos altares, mas sim a orgulhosa modista de sua magestade a
rainha--a sr.Ş D. Cecilia Fernandes.
Mas o caso é outro. Trata-se de uma cousa engraçada, de uma cousa
extraordinaria, singular, de uma cousa perfeitamente real, e que năo
deve a sua existencia neste mundo nem a Marsoo, a modista, nem a
Stellpflug, o sapateiro.
Trata-se, minhas senhoras, trata-se meus senhores, trata-se do grande
rei de Hespanha, da grande alma dos cafés, do grande senhor da politica,
da grande _dama d'honor_ de todos os paços, do grande, do supremo
_Bobeche_ de todos os ministerios, do grande _Pierrot_ de todos os
tribunos; trata-se (mas isto em segredo!) trata-se do _salero_.
O _salero!_ _Caramba!_ Sabe a marqueza o que é o _salero_? Nunca na sua
vida teve, ao menos, um ataque nervoso; nunca se irritou contra as
diabruras do marquez; nunca teve as cócegas, que ordinariamente nos
trazem as comidas apimentadas; nunca experimentou _Mabille_; nunca
dançou um _can-can_ simples, um d'estes _can-cans_ que mesmo em familia
se dançam com os pequenos da casa; nunca namorou, marquesa? e nesse
culto virginal, năo se mexia, năo revirava os olhos, năo compunha o laço
da gravata, năo apanhava a prega do vestido, năo se assoava, năo mudava
um gancho do cabello, năo tinha sorrisos frisantes, năo fingia, năo
brincava?
Fazendo tudo isto, sem mesmo o saber, a marqueza tinha _salero_, e era
hespanhola.
Mas, perdoe-me a leitora, para se ter _salero_ năo basta só conhecer o
_Terreiro do Paço_ e o _Rocio_, ir de quando em quando a S. Carlos ouvir
mad. Sass, e frequentar aos domingos o _Passeio publico_, como qualquer
simples burguez.
Nada d'isto. Se a marqueza realmente quizer ter _salero_ saia de
Portugal, despeça-se dos seus amigos, vá a Madrid, tome a sua mantilha
de andaluza, frequente todos os dias o _Prado_ e o _Retiro_, entre no
café imperial e discuta a politica do sr. Canovas del Castillo--emfim,
minha querida senhora, se quizer ter _salero_ seja hespanhola.
Bem vę, marqueza, que isto de ser portuguez é um tanto exquisito, e
arrasta-nos a gravissimos inconvenientes; porque, emfim, permitta-me v.
ex.Ş que espirre um pequeno sarcasmo sobre o paiz do sr. D. Affonso
Henriques--nós, os portuguezes, nem temos a _coquetterie_ franceza nem a
seriedade britanica; de modo, que, imitando a todos, ficamos sendo
cousa nenhuma, o que mathematicamente equivale a zero.
Destruir, porém, o zero, anathematisar o vacuo, preencher essa pequena
lacuna deselegante, rotunda e burguesa--tal deve ser a missăo da nossa
mulher.
Que o zero se retire d'este paiz: que o sr. Serpa năo tenha pejo em o
pôr fóra da sua secretaria; que os grandes algarismos herculeos nos
entrem pela porta dentro, e exclamem soberbamente: «Nós, os finorios da
arithmetica, nós é que somos a riqueza, o credito e a virilidade. _Nos
quoque gem sumus...._»
E dito isto--que _mylady_, a sr.Ş marquesa, se năo esqueça de mandar vir
uma boa carroagem _Daumont_; que _mylord_, o sr. duque, mande preparar
um bom jantar aos seus amigos intimos; e finalmente, que o _demi-monde_
procure Keil, a gloria dos alfaiates lisbonenses, adquirindo assim, em
virtude da thesoura, o _chic_ e a pose de quem muito viajou.
Já vęem que o conselho é aliás muito trivial; para o pôr em pratica uma
unica condiçăo se requer--pagar aquillo que se deve.
Eu desejava, é verdade, que a leitora tivesse _salero_--que o comprasse
nos cafés, nas _calles_, na _Puerta del Sol_, que o adquirisse no
_Prado_ e no _Retiro_, onde diariamente apparecem de mil a duas mil
carroagens, deslumbrantemente equipadas, mas, emfim, se isto lhe é de
todo impossivel, se realmente lhe repugna o caracter hespanhol, tenha
paciencia, e mande vir um figurino de Paris. Aprenda a calçar-se bem;
arranje 60 libras, e appareça um dia no _Bois de Boulogne_; decore dois
ou tres bons ditos: torne-se artificial, ligeira, engraçada, mas com
_verve_, _avec de l'esprit_--numa palavra torne-se franceza; ou ainda,
se a menina vę difficuldade neste passo e tem aspiraçőes a ser măe,
entăo tenha a bondade de tomar um bilhete pelo primeiro paquete de
Southampton e de visitar a Inglaterra.
E assim é realmente que a mulher hespanhola é mais material do que
sentimentalista, mais da sociedade do que da familia, mais do mundo do
que do coraçăo.
Por via de regra, a hespanhola é franzina, delicada do corpo, com as
faces coloridas pelo uso do chocolate e os olhos scintillantes de
vivacidade e de ardor verdadeiramente meridional--alguma cousa do
facetado do crystal e da delicadeza da porcellana; nem possue o
_coquettismo_ da franceza, porque lhe falta o apuro do espirito, a
revelaçăo da ironia, o pungente do sarcasmo, nem a _mčnagerie_ da mulher
ingleza, porque ella é muito simplesmente a negaçăo d'esse viver intimo
e famillar.
Mas, em compensaçăo, ella, a minha formosa andaluza, tem uma cousa que
nenhuma mulher d'este mundo é capaz de ter--ella tem o _salero_, isto é,
o desprendimento olympico, titanico, por tudo quanto é vida e amor, o
doce _laisser-aller_ da arte, que é luz, e magnetismo--luz, que abrasa
em sua chamma aquellas candidas borboletas dos cafés, magnetismo, que
adormece em seus braços aquellas ternas andorinhas, como as outras aves,
suas irmăs, sequiosas de ar, de prazeres mundanos, de folgança, mas
folgança, perfeitamente real, selvagem como o matar de um touro, o
esfaquear de uma creatura, ou o abrazar de uma consciencia--ella, a
hespanhola, ella năo é verdadeiramente uma mulher, mas muito mais do que
isso:--ella é um rapaz de saias, um pequeno demonio alegre, juvial,
attrahente, um doce mysterio de dois sexos, incomprehensivel, que ao
mesmo tempo participa de um, pela virilidade, pela audacia, pelo arrojo,
e de outro pela meiguice inconsequente, pelo rir suavemente acariciador,
e pela ternura extraordinariamente singular que as reveste.
Oh! as hespanholas! as originaes!...
As nossas mulheres, por exemplo, imitam servilmente as francezas; mas
ella--por Deus!--ella é o que é--só ella, sem mais ninguem, caprichosa,
unica, originalissima.
Aquelle fallar, aquelle rir, aquelle modo de dizer as cousas tăo á
_propôs_ e tăo seu, aquelle _salero_, e, sobre tudo isto, fazem com que
a mulher hespanhola tenha dois lados immensamente notaveis e
extraordinarios--a energia e o _salero_, isto é, o chocolate na sua
consequencia digestiva e physiologica--o movimento e a graça.
Dito isto, minha querida leitora, façamos como ellas--tomemos o
chocolate e tenhamos _salero_.
_Caramba! que salero!..._
XIII
THEATROS
A vivacidade do genio hespanhol tem ainda um reflexo do seu bom humor e
da sua veia, sempre fina, alegre, e sarcastica a espaços relampagueada
por um raio de colera ou por uma faisca de trovoada--é o theatro.
Oh! os theatros em Hespanha! que sumptuosos edificios! que riqueza na
_mise-en-scene_ de qualquer peça! que luxo! que prodigalidade...
Ao ouvir as doces _malagueńas_ e as ternas seguidilhas, desferidas por
labios de romă, que nem eu sei se săo da terra, se săo do ceu,
quasi chegamos a julgar-nos transportados ao Oriente, com todo o seu
cortejo de sensualidades que matam, de _bailadeiras_ que seduzem, e de
amores que fervem.
Que deliciosissimas sereias, em pleno seculo XIX! que sublimes actrizes,
aquellas, meu Deus! E havia de, ainda assim, ser condemnado um cidadăo,
se, _ŕ la belle etoile_, e a occultas da parentella, intentasse o rapto
d'uma d'aquellas formosas _sabinas_, mais diabos que o proprio Diabo e
ganhando em seducçăo á propria serpente do paraiso terreal?!...
Uma cousa, porém, distingue o theatro hespanhol--é a _zarzuella_,
especie de meio termo entre a opera lyrica e a opera buffa; suave umas
vezes com as transparencias sentimentaes das paixőes humanas, alegre
sempre, folgasă quasi sempre, e por toda a parte impregnada d'um
estranho frescor de malicia e de surpreza, que chega a prender ainda os
menos atreitos aos laços de Satanaz.
Em França, por exemplo, a opera buffa foi uma creaçăo meramente do
_demi-monde_; creaçăo necessaria no meio das corrupçőes do imperio,
em que se fazia mister caricaturisar e pôr bem ao vivo todos os podres
de uma sociedade effeminada, desde o imperador, que representava o vicio
dourado e a lepra engastada em diamantes artificiaes, até á ultima
_grisette_, que, por causa de um estudante do bairro latino, tinha
empenhado os seus derradeiros ceitis: mas com a _zarzuella_ năo succedeu
o mesmo, porque ella foi uma creaçăo espontanea da jovialidade de um
povo relativamente feliz, e que ha de sobreviver a todos os cataclismos
sociaes, como até aqui tem sobrevivido a todos os tempos.
Offenbach tem na sua gamma uma só nota caracteristica--o riso, a ironia,
o sarcasmo. Marianno de Larra, auctor de muitas _zarzuellas_ notaveis,
possue, além do riso, a lagrima que lhe serve de contraste e que o
dulcifica.
A _Gră-Duqueza_ é uma correcçăo ás momices imbecis de uma diplomacia
estonteada, um quadro fiel das _cocottes_, arvoradas em mandadeiras de
exercitos, uma photographia de costumes pervertidos pela
immoralidade de um governo inepto e pelo capricho de um monarcha infame;
o _Jogar com fogo_ é um entre-acto agradavel ás acenas da vida, um
delicioso intervallo aos soffrimentos e ás dôres da humanidade.
E é o que tem a _zarzuella_: năo cança nunca, porque foi um producto
natural e espontaneo dos hespanhoes, tal qual como o chocolate e o
_salero_; ha de viver sempre, e atravez de tudo, porque tem em si
impresso o cunho da originalidade e da tradiçăo, que năo morre, e a
elevaçăo do sentimento, que será sempiterno no seio dos homens e das
civilisaçőes.
A opera-buffa foi um arranco de homens fortes, em meio da perdiçăo que
os ameaçava; nem ha de ter nunca a universalidade da _zarzuella_ nem a
elevaçăo da alta-comedia. O seu dominio no theatro ha de ser, portanto,
passageiro e ephemero.
Numa palavra, a _zarzuella_ tem as suas raizes nas immutaveis
oscillaçőes do coraçăo humano, e que a torna duradoura e imperecivel; a
opera-buffa originou-se numa sociedade de transiçăo, e ha de, por
isso, como ella, ter um mediano imperio sobre as épocas positivas e
scientificamente organisadas.
Em quasi todos os theatros de Madrid se canta a _zarzuella_, e em quasi
todos elles tambem com a animaçăo, com o vigor, com a frescura com que
só os hespanhoes a sabem cantar.
Quando, pela primeira vez, entrei no _Theatro Real_, situado no largo de
Isabel II, com a fachada principal para a praça do Oriente, senti-me
sinceramente deslumbrado. É tal o luxo d'aquella casa, tal a ordem,
tamanho e socego, que, em boa verdade, mal chega a gente a pensar que
esteja na capital da Hespanha, no paiz dos bandoleiros de toda a especie
e no centro de um vulcăo, sempre em revolta comsigo mesmo.
E depois, que contraste entre uma tourada e uma representaçăo theatral!
Que a delicadissima leitora, do meio de um deserto, confuso, anarchico,
impetuoso, açoutado pelo _simuon_ e ennegrecido pelas areias, se julgue
subitamente transportada a um paraiso, onde adejam os cherubins com
as suas azas brancas e onde sorriem os anjos com as faces louras.
Assim me succedeu a mim quando uma tarde, dos suburbios da Porta de
Alcalá, onde existe a praça de touros, me lembrei de ir ao theatro, afim
de ouvir cantar esse eterno e insubstituivel poema do coraçăo humano,
mui modestamente chamado--_Romeu e Julietta_.
Nunca em Hespanha uma pateada interrompeu os espectaculos lyricos. A
platęa do _Theatro real_ năo é só rica em alcatifas, em estofos, em
casacas e gravatas brancas, mas ainda e muito principalmente na
seriedade dos seus espectadores e na respeitabilidade mais que urbana e
generosa dos seus _habitués_.
Na rua de Jovellanos encontra-ae o theatro da _zarzuella_. De
_zarzuella_... dizem elles; nós diriamos quasi um segundo theatro
lyrico. Que vozes tăo admiravelmente timbradas, e que modulaçőes tăo
harmonicamente produzidas!
Representava-se entăo uma velha _zarzuella_, muito velha e muito ouvida,
mas sempre fresca no rhythmo e no pensamento, que é nada menos do
que a expressăo do caracter hespanhol. Queremos fallar de _Pan y toros_.
--_Panem et circenses_, gritavam os romanos; _Pan y toros_, exclamam os
hespanhoes, como querendo mostrar a intima affinidade que, de facto,
existe entre um e outro paiz. Mas--cousa singular! a França tambem é de
origem latina, e no entretanto a França, a generosissima filha da
revoluçăo e do pensamento moderno, em vez de păo e touros, do alto das
suas muralhas de guerra e do topo das suas fortalezas, soluça
altivamente--_ou păo ou chumbo_.
E assim é realmente que ella caminha, năo em demanda de espectaculos que
embrutecem, mas sim em procura de civilisaçőes, que săo como que os
marcos milliarios da humanidade trabalhadora.
Muito bem. Imaginemos a côrte no doido phrenesi d'um baile. Subito uma
denotaçăo fere os ares. Abre-se uma das janellas do palacio. Cessa a
volupia. Um dos convivas descendo a escadaria, reconhece haver-se
morto ali um capităo de infanteria, ha poucos instantes. Averiguado o
caso nada era.
--«Póde o baile continuar, exclama o mestre. Năo é nada, năo é nada. Um
homem morto. Apenas um homem morto!»
E a orgia proseguiu; porque, a dizer-se a verdade, năo vale nunca a pena
interromper os prazeres mundanos pela simples bagatella de um assassinato.
Ora nesta _zarzuella_ transparece perfeitamente o caracter hespanhol,
irrequieto e indomavel, com todos os seus mil caprichos de momento e as
suas labyrinticas phantasias de occasiăo.
Além, porém, d'estes dois theatros, ainda poderiamos mencionar muitos
outros, e entre elles o theatro da _Comedia_, theatro muito moderno,
lindissimo na fórma e admiravel pelo seu reportorio; o theatro do
_Circo_, na praça del Rey; o theatro de _D. Affonso_, proximo da Porta
de Alcalá; o theatro das _Variedades_, o theatro das _Novidades_, etc.,
etc.
E tudo isto ainda por cima, rodeado de circos, de largos, de exposiçőes,
de musicas, de alegrias ferozes e de mulheres encantadoras.
É verdade, e os _patinadores_?
Fallemos dos _patinadores_.
XIV
OS PATINADORES
Princeza, o seu braço! Vossa alteza é morena, viva, alegre; tem uns
bellos olhos rasgados, profundos, negros, como os abysmos do inferno.
Pois bem: que a sua alma ardente e expansiva, como este bello sol da
peninsula, que nos aquece e anima, se digne, por um pouco, acompanhar-me
a aspirar o ar bom da natureza.
Quero tel-a ao meu lado, rainha. Bem vę--eu năo sou fidalgo, nem conde,
nem barăo. Á fé que o năo sou. Mas emfim, se é verdade que a um
democrata nunca ficou mal beijar a măo de uma aristocrata,
conceda-me a indiscripçăo. Os meus labios tocarăo delicadamente á
superficie d'essa meiga flôr de liz, mais bella e mais transparente do
que uma renda de Bruxellas. Depois, e só depois, o paraizo...
Antes de mais, porém, tomemos um fiacre, um commodo fiacre, ligeiro, com
duas molas flexiveis, dois nobres cavallos, briosos, e um valoroso
cocheiro de măo certa e pulso firme. É verdade que as rainhas hoje nem
sempre estăo prevenidas. No entretanto, tu, minha velha amiga, tu, que
năo tens nenhum reino a perder; tu, que nunca passaste do _boulevard_
com todos os seus perigos e attracçőes; tu, com certeza, tens ainda os
cem luizes que hontem á noite te deixou aquelle inglez excentrico de
suissa loura e ar grave.
É para elles que eu appello, para esses cem luizes honestos, puros,
serenos, capazes de encher a historia do mundo, e incapazes de concitar
em redor de si odios republicanos ou raivas demagogicas. Năo! os cem
luizes săo de todos--de todos os tempos e de todos os logares--reinando
sempre, e sempre bem: irresponsaveis, sem exercitos, sem côrte, sem
apparato, mas valentes, com consciencia de si, e valendo pelo silencio,
aquillo que os mais abalisados do mundo năo podem conquistar pela
palavra.
Que magnificos sujeitos!
E agora reparo que nestas conversas iamos perdendo o tempo. Aqui está a
carruagem. Entremos para a carruagem.
Da _Puerta del Sol_ ao _Prado_ săo dois passos. Olhe a princeza: vę
aquelle cavalheiro de bigode e pera alourados, estatura regular, pallido
de rosto e expressivo no olhar?--é o general Pavia, o celebre assassino
da republica em Hespanha.
Mais além, repare: aquella morenita, leve como uma penna, e adoravel
como uma fada, é Pepa--uma heroina de amores e uma actriz de coraçőes
humanos. Mas, que nobre vulto, este agora? É o duque de Abrantes, por
sangue descendente de Portugal, antigo possuidor da quinta das
_Laranjeiras_, senador e conselheiro de Isabel II. É homem baixo, magro,
secco e decidido nos seus gestos, o que indica uma vontade firme e
um caracter recto.
Mas chegámos, finalmente. Uma vez que estamos em _Recoletos_, entremos
num d'estes circos.
Que magnifico sol e que supremas alegrias! A neve é pouca; e por isso
nós, que queremos patinar, recorreremos ao artificio.
A praça está encerada. Muito bem. Patinemos na praça.
O seu pé, minha doce amiga. Năo tenha medo. Por Deus, năo trema. Năo
trema, que năo morrerá, asseguro-lh'o eu. Nunca leu a admiravel historia
dos patinadores descripta por Alexandre Dumas no _Colar da Rainha_?
Olhe, é um encanto! Por exemplo, eu quero patinar, mesmo no circo,
colloco debaixo de cada pé um pequeno carrinho, composto de tres
rodellas de ferro.
Dę-me o seu pé, e verá.
Agora firme, sem attrictos, serenamente, imperturbavel; deixe-se
escorregar, como uma pequena gondola veneziana; unicamente, para năo
cahir, imprima um leve movimento aos joelhos, alternando-os, por
causa da lei do equilibrio.
Depois, oh! depois, o infinito, o ideal, o amor, as azas, mais velozes
do que as de uma ave, as pernas mais ligeiras que as de uma corça; uma
estranha măo apertando-nos a nossa; é o paraiso a sorrir-nos num beijo
que ninguem vę, e a gloria a mirar-nos num céo, que nos allucina, que
nos embriaga, que nos absorve.
Correr, voar, amar!--tal é o triplice fim de um patinador.
Mas, antes que se chegue a ser um bom patinador, intrepido e
valente--que trabalhos, que luta e que risota! Que risota, sobretudo!
Vai um portuguez a Madrid, e mesmo nisto começa por conhecer a sua
inferioridade. Que poltrăo! Aluga dois carrinhos, e vem para o circo:
olha; vę, sorri-se, anedia as guias do bigode, dá um geito ao cabello, e
toma ares de _Bayard_ de papellăo; deseja tomar a posiçăo perpendicular,
e vacilla. Dou-lhe um, dou-lhe dois, dou-lhe tres; por fim o heroe parte;
horror! năo parte, porque a inhabilidade o torna pesado,
refractario á gymnastica, e ao desenvolvimento de musculos. Risota
geral--Ah! Ah! Ah... _Hic jacet infelix patinator..._
A victima levanta-se, desconfia d'aquelles comprimentos improvisados, e
conclue por detestar os sabios de qualquer natureza que elles sejam.
Mais uma tentativa. Vejamos. Talvez fosse defeito das rodas, talvez dos
pés, talvez da falta de agilidade... Experimentemos. Novo impulso. Ah!
Ah! Ah! Nova queda.
E, entretanto, em quanto isto se dá, alguns milhares de cavalheiros văo
seguindo o seu rumo, sem interrupçăo, olhando de soslaio os
principiantes, e mostrando naquelle modo de correr que até a andar se
póde ter consciencia de si e vaidade dos outros.
Duas senhoras inglezas vi eu, um tanto esquivas ás ironias do amor, que
mais pareciam, patinando, sonhos aéreos, visőes romanticas do que
realidades terrenas.
Nós a tentarmos a approximaçăo, e ellas a fugir, a fugir, como sombras
longinquas, que só por escarneo se approximam de nós, para
novamente nos escapar, fazendo-nos umas tristes e desoladas figas.
Que horror! E Frutos Martinez, o patinador illustre, avisado naquelles
assumptos, collocando, cheio de raiva os seus carrinhos, lá se ia,
inconscientemente, atraz d'aquellas borboletas de olhos azues e cabellos
louros.
Mas, certamente, meus caros concidadăos--a patinaçăo năo e simplesmente
um espectaculo agradavel, rodeado de peripecias curiosas e movido por
generosos impulsos de espirito. Năo! na patinaçăo ha ainda mais o
desenvolvimento physico, que muito conviria á nossa mocidade enfesada, e
o interesse moral, que, de certo, aproveitaria mais aos nossos rapazes
do que uma facada dada no Bairro Alto, em pleno dia.
Em todo o caso, uma vez que assim queremos ser, sejamos assim, sem
graça, sem espirito, e sem a elegancia, que naturalmente se exige nas
existencias modernas.
_Honra soit qui mal y pense..._
XV
TOURADAS
_A los toros! a los toros!..._
E a populaça, ebria de sangue e sedenta de prazer, empoleirava-se no
cimo das carruagens, comprava camarotes pelo dobro do preço, corria
pelas ruas como um possesso, gritava, ria-se, atirava ao ar os seus
chapeus emplumados, cortejava a realeza que passava, dava vivas á
_Marselhesa_, e fugia, fugia nas azas do phrenesi irrequieto, em demanda
do mais barbaro de todos os espectaculos do mundo.
Ó Hespanha, minha querida amiga, doce filha dos cafés e da volupia,
tu, que possues _museus_ que te săo um legitimo patrimonio de orgulho e
de riqueza; tu, que amamentaste ao teu seio os maiores oradores da
Europa contemporanea; tu, que tiveste artistas como Murillo, Velasques,
e Goya; tu, que és o amor, a contradicçăo, o mysterio; tu, minha perola,
tu năo devias ser _torera_.
Emfim, eu sei que tu tens defeitos; e o teu primeiro defeito,
acredita-me bem, é ser militar. Os teus rapazes, porque săo novos,
desejam agradar ás mulheres: pegam numa arma com a mesma sem-ceremonia
com que nós aqui bebemos um copo de agua. Que valentőes! O campo de
batalha sorri-lhes, o inimigo revolta-lhes as iras concentradas, e săo
leőes, atiram-se, atiram-se ferozmente sobre a metralha adversa. Nem sua
magestade o canhăo Krupp os intimida, nem os joelhos lhes tremem á vista
do adversario.
Que valentőes! que valentőes...
Ai! querida minha, que se năo fossem as mulheres, tu serias mais feliz e
respeitada. Mas, que diabo! para que tens tu filhas tăo
formosas?--para que? Năo te bastava já o chocolate, para, á semelhança
de um vulcăo, trazeres sempre dentro de ti o fermento da revolta? Ainda,
por cima, olhos scintillantes, rostos abrasadores e _salero_ atrevido?
Ora pois, nada mais te faltava...
Tem paciencia; mas tu, Hespanha, tu o que tens é excesso de calor, de
sensualidade, de veneno, de corrupçăo. Os estrangeiros acham a tua
cosinha demasiadamente apimentada; nós encontramos as tuas mulheres
sempre como uma braza--a ferver; nos teus cafés toma-se pouca soda; o
proprio sr. Canovas del Castillo, quando falla no congresso, năo é muito
atreito aos gólos de agua; o teu rio é semsaborăo, estreito, pouco
abundante e superficial. Ao que parece, um poucochinho de agoa de mais,
um poucochinho de lume de menos năo deixaria de fazer-te bem. Numa
palavra, minha querida amiga, se queres viver independente, feliz,
alegre, satisfeita comtigo mesmo--purga-te, manda vir da botica duzentas
grammas de bom senso politico, que será a tua magnesia calcinada;--fóra,
fóra com essa bilis que te devora o organismo: estomago limpo e menos...
chocolate aos srs. politicos.
Mas os touros, os touros! por vida minha, que nunca assisti a
espectaculo mais curioso, mais terrivel, mais seductor. Até as proprias
mulheres se tornam viris, musculosas, corpulentas--ellas, que uma hora
antes tinham acceitado a côrte a um gentil militar imberbe; ellas, que
săo um puro mysterio, uma alta excentricidade; ellas, emfim, que tęm o
dom mythologico de nos apparecer sob o duplo aspecto da força e da
fraqueza, do repente e do meditado, do meigo e do energico.
Inundára-se de povo a _Calle de Alcalá_. Os _char-á-bancs_ eram sem
numero; os guisos telintavam nos classicos muares; por toda a parte a
corrida infrene, as subitas allucinaçőes, os risos infernaes; as
vertigens, que referviam em desejos ardentes; a loucura, que volitava em
nuvens de enthusiasmo; a alegria, que trasbordava em ondas de amor; a
vida, a mulher, o fumo, o chocolate, os touros emfim.
Que delirio para aquella gente! que devoçăo! que irresistencia!
Chega o primeiro touro: os leques agitam-se; no olhar ha mais
irradiaçăo; scintillam as moedas de prata; aos pés do bandarilheiro
audaz cahem as dezenas de charutos.
--A elle, meu valente, a elle...
E o cavalleiro aponta-lhe a lança ao pescoço, e o animal investe com o
cavallo. Com uma das pontas rasga-lhe o ventre; a multidăo, embriagada,
applaude o sangue; mais uma investida e o _misero cavallo lazarento_
succumbirá; assim; mais uma; até que, emfim, vem a morte dulcificar este
pandemonio infernal!
Agora _Lagartijo_ que se approxime; elle traz uma pequena espada na măo
direita; para elle está reservada a mais garbosa _mońa_, que nunca măo
de mulher se lembrou de fazer. Deante do touro o heroe năo trepida; lá
estăo ambos que parecem dois tigres: alfim o animal cança: _Lagartijo_
investe; mais uma volta, e o touro cahirá.
As bandas marciaes rompem em hymnos estridentes; a populaça agita os
lenços de côr; em todos os olhos se lę o phrenesi irrequieto,
nervoso, indomavel: _Lagartijo_ venceu, _Lagartijo_ é o heroe da festa;
triumpho a _Lagartijo_...
_Otro toro! otro toro!..._
Quasi que nem chega a haver tempo para arrastar para fóra da praça os
derradeiros restos d'aquella barbara batalha, tăo audazmente pelejada
entre um homem e um animal, que, em vez de joguete de circo, muito bem
podia ser a felicidade da agricultura e o alimento da miseria.
Touro, cavallo, farpas, lanças,--tudo á uma é arrastado em padiolas para
fóra do amphitheatro.
Depois, esperando, faz-se sempre votos para que o outro touro seja
melhor do que o seu antecessor; como se para saciar a avidez dos
espectadores fosse pouco todo o sangue derramado.
É que a Hespanha é realmente assim, em meio da sua vida tumultuosa e
larga. Pouco lhe importa a morte de dez, vinte, trinta homens; a questăo
é que o enthusiasmo năo decresça nunca, e que a vida năo deixe jámais de
ser uma terna e doce folgança, onde os risos e as lagrimas, as
alegrias e as tristezas crescem e augmentam, temperados na mesma proporçăo.
E, no entanto, nenhum paiz existe de mais vastos recursos do que a
Hespanha, onde as minas de cobre, de ouro, de prata săo quasi tantas
como as suas provincias e os seus concelhos.
Nas suas planicies, por igual risonhas e productivas, medra e
desenvolve-se toda a especie de productos agricolas; as suas paizagens,
se bem que aridas na Extremadura, pela escacez de agoa, tomam todavia um
aspecto deliciosissimo na Andaluzia, onde as mulheres e os horisontes se
disputam a palma e o amor.
Abençoado paiz! Nem as guerras, nem as dissidencias civis, nem as
revoltas populares poderam ainda prostral-o.
Uma naçăo que tăo sinceramente ama as touradas, năo poderá nunca deixar
de ser guerreira e sanguinosa.
Ai de nós, no momento em que a Hespanha deixasse de ser o que
é--lutadora, _torera_ e ruidosa.
_A los toros! a los toros!_
XVI
O PRADO E O RETIRO
Dizem os physiologistas que o calor é a vida; e por isso é, creio, que
os cafés, assim como as _soirées_, assim como os _clubs_, assim como os
_boulevards_ se tornam hoje uma verdadeira e insubstituivel necessidade
social.
Que o homem nasceu para a sociedade--escrevem-o philosophos abalisados e
tem-o repetido ha um seculo, e ininterruptamente, o corpo cathedratico
da nossa universidade.
Esta verdade passou, porém, da metaphysica á pratica; e assim é que, ao
contrario de Rousseau--que na natureza fundava todo o pacto entre
os homens--se elevaram, como por encanto, o _Bois de Boulogne_, em
Paris, o _Hyde Park_, em Londres, e o _Central Park_, em New-York.
A năo ser Lisboa, a velha fanatica do passeio publico, poucas cidades ha
agora na Europa, que năo tenham o seu pequeno _boulevard_, especie de
_rendez-vous_ do mundo elegante e da fina sociedade do bom tom.
E necessario é que isto assim seja. O _boulevard_ năo é simplesmente uma
ostentaçăo de capital, mas ainda mais uma parte indispensavel á educaçăo
de um povo, que năo é só intellectual e moral, senăo tambem physica e
social.
Em Paris qualquer creança aprende mais pelos olhos e pelo ouvido do que
nós nas nossas escolas. E o motivo é facil. Habituados desde a infancia
a frequentar os differentes jardins--botanico, zoologico, etc.--quando
chegam a uma edade razoavel, quasi se póde dizer que săo dotadas de uma
vasta e profunda educaçăo.
Praticamente aprendem os nomes aos animaes; ouvem-lhes a historia;
assistem-lhes ao desenvolvimento e acompanham-lhes os movimentos e os
instinctos. E tudo isto, porque desde pequenos frequentam os
_boulevards_, onde brincam e onde muitas vezes arranjam os meios de
ganhar a vida no futuro.
Mas o _boulevard_ tambem é hygiene, pelo bom ar que lá se respira, pelos
exercicios a que convida, e pela facilidade com que se passeia. Depois
nem só isto. Ha ali campo para largas observaçőes e assumpto para
profundos estudos. Muitos romances conheço eu que tiveram lá a sua
origem, além de muitas mulheres que lá foram procurar a sua felicidade e
a sua riqueza.
O _Prado_ é um dos mais celebres e um dos mais concorridos passeios da
sociedade elegante de Madrid. Diz-se que a sua origem, tal qual se acha
presentemente, data do reinado de Carlos III. Rodeado de fontes, de
lagos, de arvores, de estatuas, de _restaurantes_, de praças, o seu
espaço é enorme, extendendo-se da fonte de Cybele quasi em linha recta
até encontrar o passeio de Atocha, formado pela prolongaçăo da rua
do mesmo nome.
É raro o dia em que ali năo passeiam de quinhentas a mil carruagens,
vendo-se frequentemente dentro d'ellas rostos formosissimos, adornados
de bellos olhos, profundos e escuros, como só os sabem ser os olhos
hespanhoes.
Com dois ou tres passeios ao _Prado_ quasi se fica conhecendo toda a
sociedade madrilena, nas suas distincçőes e nos seus vicios, nas suas
virtudes e nos seus erros.
E depois--que mulheres!
A uma historieta assisti eu, divertidissima por signal e extremamente
curiosa.
Um amigo meu, amoroso e simples, encontrou-se um dia profundamente
apaixonado por uma gentilissima menina, que todas as tardes ali
costumava expôr-se á admiraçăo geral dos passeiantes e dos leőes da moda.
Até aqui, já se vę, nada de extraordinario.
O ingenuo rapaz, porém, năo se podendo mais conter, entrou-se
tristemente na desgraçada usança portugueza, e abeirando-se da
mulher, fez-lhe a seguinte declaraçăo:
--Deponho aos seus pés, minha senhora, a mais pura e sincera homenagem
dos meus respeitos e do meu amor...
Ao que a deusa respondeu:
--Ai! que graça!... Se o cavalheiro soubesse em que eu agora estava a
pensar?!...
O gală aproximando-se mais:
--Em que estava a pensar?!...
--Sim, pois năo adivinha? aflautou a ingenua.
--Certamente que năo.
--Pois olhe estava a pensar num bonito vestido de riscas...
Ó illusőes! ó facadas!
No dia immediato o apaixonado moço pegou num lapis, e escreveu á pressa
num bilhete de visita as seguintes e doces palavras:
«Pepa (era o nome da heroina)--«Pepa--aborreço-me, e adoro-te».
A resposta, porém, năo veio. Pegou noutro bilhete, e tornou a escrever:
«Quem a adora, onde a poderá encontrar?»
Entăo o coraçăo de Pepa pulsou violentamente dando de si uma tremenda
explosăo que em seguida passamos a transcrever fielmente.
«Cavalheiro--Recebi o seu primeiro e o seu segundo bilhete. Năo respondi
ao primeiro, porque năo quiz, e ao segundo apenas tenho a dizer que o
acho de um arrojo extraordinario e nunca visto».
Assignado por um nome supposto que năo era o de Pepa.
Assim continuaram as cousas. Os episodios succederam-se uns após outros.
Numa noite, comtudo, ás tristezas do costume seguiram-se no meu amigo
umas alegrias estranhas. Interroguei-me a mim e interroguei-o a elle.
Reparei-lhe nos olhos, e reconheci-os mortiços; olhei-lhe as narinas, e
vi-lh'as extraordinariamente dilatadas. Entăo a minha consciencia deixou
o estado de duvida em que se achava, e entrou serenamente na estrada da
certeza. A conquista havia-se effectivamente realisado. Pepa, a sublime
actriz, depois de varias piruetas, de varios zig-zagues, de varias
fórmulas, concluira emfim por se render. Năo era praça inexpugnavel.
Presentiu metralha, e caiu. Cumpriu religiosamente o dever que a sua
condiçăo lhe impunha.
E nada mais. O meu patricio, o indigena, sahia todos os dias de casa,
alegre e bem disposto, e entrava altas horas da noite com algumas libras
de menos na algibeira e com algumas desillusőes a mais no espirito, até
que por fim se saciou.
Ao deixar Madrid, elle vinha menos ingenuo e mais pratico. Liçőes do
_boulevard_!
Na hora da partida escreveu á sua amada uma carta frisante, que bem nos
póde revelar a transformaçăo que no seu caracter se operára ultimamente.
«Minha menina--Um negocio urgente me chama a Lisboa. Digo-lhe adeus. A
menina é formosa, elegante e distincta. Com duas ou tres horas de
janella por dia, estou convencido, encontrará um digno substituto á
minha pessoa. Sem mais. O seu...»
E assim é, de facto, o _boulevard_:--a vida, o amor, a formosura--e
tambem a liçăo aos ingenuos e a practica aos inexperientes.
* * * * *
Agora, marqueza, tenha paciencia, caminhemos para o _Retiro_.
Dizem que o sol é o pae da vida--approveitemos o sol. _Bras-dessus_,
_bras-dessous_, conversemos. Que lindo tempo! É verdade!--sabe a
marqueza de um facto que hontem se deu na cidade? Năo sabe? Pois eu lhe
conto. Conhecia a Dolores, a formosissima _cocotte_ da _rua de Alcalá_?
Que elegante mulher! Tinha uns cabellos louros, que pareciam estrellas
do céo. Os amantes, que eram aos centos, querendo comparar a côr do seu
cabello com a côr do ouro, por mais de uma vez tinham ficado sem o
dinheiro, e, o que é peior ainda, privados tambem do proprio cabello de
tăo gentil _seńorita_. Que ferro, minha amiga, que ferro!
Ha de haver seis mezes, Dolores appareceu, como de costume, no _Prado_.
Seriam quatro horas, quando eu a vi chegar. Trajava um elegante vestido
de seda escarlate, cuja fimbria recebia quotidianamente os beijos dos
amantes e os suspiros do solo, que muito ao de leve pisava e quasi sem
mesmo se aperceber. Porque Dolores, a vaidosita, năo era mulher que por
ahi se gastasse em qualquer passeio solitario. Ella tinha a sua
carruagem--uma bonita carruagem moderna e commoda--e tinha tambem, além
de muitos escravos, de que o seu coraçăo por vezes escarnecia, os seus
creados e as suas governantas.
Dolores era, no fim de contas, como todas as mulheres do _boulevard_, um
espirito risonho, attrahente, leviano,--nem Rigolboche, nem Magdalena.
Ella alimentava em seu seio o sublime sentimento da familia, educára
suas irmăs; e conduzia seu pae--um triste cego!--pelo braço. Năo amava
porque năo queria; tambem năo odeiava; mas, se fugia do amor era
simplesmente porque lhe reconhecia os perigos. Afóra isto, como se
encontrou só e desamparada no mundo, destituida de prendas e de
educaçăo, fez vida pela sua formosura, e caminhou rectamente,
serenamente, desassombradamente, sem attrictos, sem desvios, sem atalhos
pela estrada dos assalariados da terra.
No subir para este calvario, ella, que năo queria passar por santa,
sentiu que a cruz lhe era demasiadamente pesada e quiz descarregar-se
d'ella. Mas ao olhar para traz viu que a sua familia--uma pobrissima e
desgraçada familia--carecia, para năo morrer de fome, de comer e de se
alimentar.
Entăo chorou. Pobre Dolores! Quantas mulheres como tu năo terăo passado
pelo mesmo desespero e pela mesma agonia!...
Um raio de esperança, porém, penetrou-lhe no coraçăo. A passo lento
approximou-se do espelho. O espelho reflectiu-lhe a gentileza sem par.
Que alegria, meu Deus!--exclamava ella. Finalmente... finalmente...
E foi-se para a rua nuns impetos estranhos, nervosos,
incomprehensiveis...
D'ahi a um mez, Dolores, trajando sedas e veludos, era uma das mil e
perigosissimas rainhas do _Prado_.
Mas vamos ao escandalo. Havia um mez seguramente que em redor d'ella
como que tentava esvoaçar um ingenuo da provincia--bom rapaz, é verdade,
mas algum tanto lorpa. Dolores năo gostava d'elle. Mas, emfim, ou por dó
ou por capricho permittiu-lhe um dia a approximaçăo. Effectuou-se o
_rendez-vous_, que durou meia hora. Ella fallou sempre; elle, porém,--ó
pudor!--apenas a comprimentou á entrada e á saída.
Muito bem.
No dia immediato, ao de semilhante encontro, recebia Dolores a seguinte
carta:
«_Minha senhora_,
«Pretendo ardentemente o seu coraçăo. Amo como nunca amei. Exijo que me
attenda. No caso contrario, suicidar-me-hei.»
--Curioso, curioso!--exclamava ella, rindo e correndo pela sala.
--Original, original!... Tinha graça... ficar sem o meu _chacho_... elle
que me póde render ainda tăo boas, tăo santas libras... Oh! pois năo...
attendel-o-hei... Cahirei aos pés d'elle, que năo falla... aos pés
d'elle... năo, năo te suicidarás, formoso!....
E, e sem mais, Dolores tomou a penna e escreveu laconicamente:
CONTA CORRENTE
«_Deve o sr. F. por meia hora de conversaçăo commigo, no dia 1.ş do
corrente, a simples quantia de 1:000$000 réis, que pagará em oiro ou
prata, dentro de vinte e quatro horas a contar de hoje das 11 da manhă._
_Assignada_--DOLORES.»
E assim foi. O rapaz, ao receber o bilhete, sentiu-se quasi allucinado.
Depois, porém, recobrou animo e serenidade. Pensando que seria aquelle o
unico meio de a conquistar, volvidas duas horas, após a recepçăo da
carta, respondeu com a mesma singeleza:
«_Minha senhora_,
«Por si darei tudo, a minha vida e o meu futuro. Póde, quando quizer,
mandar receber o dinheiro que pede no banqueiro C., rua de ***, n.ş....»
Dolores passou, entăo, pela primeira impressăo forte na sua vida. Esta
resposta laconica e expressiva, como era, agitou-lhe violentamente as
fibras da sua alma, d'ella. Reflectindo bem no caso e na dedicaçăo, com
que fôra brindada, ella a orphă, ella, a _desdichada_, ella, a
meiga, ella--a preciosissima joia, engastada numa sociedade de
meras apparencias e de meras formalidades, ella, a Dolores, ella chorou
sinceramente.
--Năo!--dizia ella--Eu năo receberei este dinheiro. Nunca! Mas em vez do
seu dinheiro--oh, sim!--eu receberei o seu amor, que deve ser sublime
com a sua generosidade; o seu amor, a pura expressăo de um coraçăo
honesto e simples.
E escrevendo, ella disse-lhe a chorar:
Meu amigo,
«Renuncio ao seu desinteresse. Sinto que o amo doidamente. Desejo vel-o.
Venha quando quizer.
«_Dolores._»
Assim se encadearam os acontecimentos. Dolores, sem ser Margarida
arrependida, tornou-se, todavia, mulher séria e grave. O nosso
provinciano, sem ser Armando, adquiriu pelo amor de Dolores a
consciencia de si e a elevaçăo da sua dignidade abatida.
Mas, quando menos a gente as espera, é quando o diabo as arma.
Dizem-me que hontem, tanto Dolores como o seu amante, foram encontrados
mortos, na propria casa em que desde muito habitavam.
Oh! os _boulevards_, minha querida marqueza...
Mas, por Deus, entremos no _Retiro_.
O seu braço, minha amiga, o seu braço!...
* * * * *
O passeio do _Retiro_, um dos mais afamados da Europa, foi fundado no
reinado de Filippe IV, sob a inspiraçăo do conde duque de Olivares,
especie de marquez de Pombal na Hespanha.
Quasi todos os despotas gostam de deixar assignalada a sua passagem
na terra com monumentos immorredouros, por via de regra attestados de
inepcia, de orgulho e de mau gosto.
Foi assim que, entre nós, no tempo de D. Joăo V se originou o celebre
convento de Mafra. E foi assim que nasceu o _Escurial_, embora de melhor
gosto e de mais elevaçăo artistica.
Durante o reinado do seu fundador, o _Buen-Retiro_, pelos seus passeios,
pela sua magnificencia, pelos seus jardins, pelos seus palacios, pelos
seus theatros, quasi se podia dizer um Eden, entreaberto aos sorrisos
das morenas feiticeiras e um paraiso entresonhado pelos cavalleiros
desde aquelles periodos aventurosos.
Tudo, porém, neste mundo tem a sua decadencia. Filippe V, querendo
guindar-se á altura do monarcha francez, virou-se para os jardins de
Aranjuez, onde lhe pareceu divisar competencias, embora longinquas, com
Versailles, de todos os passeios actuaes da Europa o mais célebre e o
mais sumptuoso, ainda quando mais năo fosse senăo pelo jogo das aguas,
as quaes, na sua ascensăo phantastica e miraculosa, se alteiam
muitas vezes, numa extensăo de cincoenta metros acima do nivel do lago.
Assim foi decaindo tăo rara maravilha. Fernando VII tentou restituil-a á
vida. E o facto é que o _Retiro_, mercę das grandes e enormissimas
quantias nelle sepultadas, atravessou incolume até nós, a salvo das
revoluçőes e em plenos sorrisos de felicidade.
Leitora amiga--se realmente ama o passeio, percorra a _Carreira de S.
Jeronymo_ e entre no _Retiro_. Levante-se cedo, tome o seu chaile, calce
as suas luvas, e prepare-se afoitamente para banhar-se numa boa
atmosphera, salutar e agradavel. Esta pequena digressăo ha de fazer-lhe
bem, porque é hygienica e variada. Em casa póde dispensar o seu
chocolate; ha de saboreal-o lá, depois de ter passeado, depois de ter
ido ao lago, depois de ter visto as feras, emfim, depois de estar
cançada. E verá que a năo engano. Lá encontrará um bom _restaurant_
aceiadissimo e commodo. Á cautella, porque o almoço é tarde, sempre
lhe aconselho que mande vir duas ou tres bolachas.
Como queira. Perto de nós temos a _montanha artificial_ e o _salăo
oriental_. Já lá foi? Que soberbo panorama! D'ali, d'aquella eminencia,
apparece-nos Madrid, em toda a sua vida e em toda a florescencia. Que
magnifica cidade, e sobretudo, que cidade tăo moderna!
É verdade--e o _jardim botanico_? É logo no passeio do _Prado_. Dizem
que só está aberto desde 30 de maio até 30 de setembro. Mas é um famoso
recinto, bem cultivado, com excellentes plantas e situado num magnifico
local. Possue, além disso, este jardim uma notavel variedade de plantas
e uma curiosissima secçăo _zoologica_, cujo objecto é alimentar e
propagar, na Hespanha, toda a especie de animaes.
E a _Recoletos_--já foi a leitora?--E á _fuente Castellana_?
O primeiro tem, como o _Prado_, oito lindissimas fontes, todas ellas no
meio de praças, de arvores, e de mil outros attractivos, que dăo ao
nacional o supremo consolo de poder passar bem duas ou tres horas
por dia.
Porque estes passeios năo servem apenas de meras distracçőes. Outros săo
os seus fins e outras săo tambem as suas vantagens.
Os _boulevards_, em geral, além de possuirem no seu seio mil cousas
dignas de um estudo especial, săo por outro lado um espectaculo que as
municipalidades offerecem á pobreza, tăo curiosa como digna de divertir-se.
No nosso paiz os operarios năo encontram um espectaculo gratuito. Por
isso, á falta de entretenimentos, entram nas tabernas, e embriagam-se.
Tivessem elles uma boa musica, um bom passeio, um exercicio attrahente e
o amor do vinho desapparecera. Tivessem elles, sobretudo,
municipalidades desinteressadas e independentes, e as suas doenças,
assim como o seu mal estar năo teriam mais razăo alguma de ser.
O artista tem no _boulevard_, uma formosa galeria, especialmente
merecedora de analyse e de critica. Nos museus encontram-se os
quadros pintados. Pois o _boulevard_ é um museu--ao vivo, já se entende.
Dizia Richelieu que costumava esmagar o amor debaixo do tacăo da sua
bota. D'onde se vę que nem o illustre cardeal se pôde eximir ás
influencias do mundo exterior e dos _boulevardiers_.
O _boulevard_ é ainda mais o figurino, a moda, o _chic_. Quem fôr á
_fuente castellana_, que começa na casa da moeda e termina na
fonte do mesmo nome, encontra ali o mais selecto da sociedade
madrilena--_toilletes_ finissimas, aristocracia elegante e burguezia
desempenada.
Foi na _fuente castellana_ que se originou uma elegantissima paixăo
ainda hoje inedita nos annaes da historia hespanhola.
Conta-se que um notavel tribuno, escriptor e poeta, andando um dia a
recrear-se neste passeio, fôra apanhado de surpreza pelos olhos
abrasadores de uma sevilhana gentil; e por tal fórma se deu este facto
que elle, hoje politico illustre no seu paiz, nunca mais pôde
subtrahir-se ás influencias d'aquelle dominio.
A menina foi, passado um mez, pedida á familia em casamento. Ella
acceitou, e o matrimonio ficou assim solemnemente tratado.
Demorou-se, porém o negocio. A noiva pretextava desculpas, que ninguem
sabia a que attribuir. Em casa, além da familia, só entrava um padre. O
noivo, furioso, tratou de indagar. Sabendo finalmente, que fôra o padre
o motor de similhante desordem, elle, com a maxima serenidade,
procurou-o em casa, e disse-lhe expressivamente:
--Entre o insulto e o assassinio prefiro o segundo. Queira fazer o acto
de contricçăo.
O padre ajoelhou.
--Agora levante-se, e peça perdăo a Deus.
E zás, sem mais tir-te nem guar-te, ouviu-se a detonaçăo de um tiro. Uma
bala havia atravessado o peito do hypocrita.
--Finalmente--exclamou o tribuno.--Para os frades bacamarte, para a
batina clavina.
E fugiu.
Volvidos annos, este mesmo cavalheiro voltava á patria, casava com a
mesma menina que em tempos namorára, e preparava-se para ser ministro, o
que já foi ha muitos annos.
Oh! os _boulevards_, minha querida marqueza, os _boulevards_...
Mas, a proposito, quer a marqueza jantar commigo?
XVII
HISTORIA INEDITA
Ha de haver nove mezes que isto succedeu. Ia eu de Madrid para o
Escurial. O unico companheiro de viagem que a fortuna me concedeu,
durante o trajecto que vae da cidade do sr. D. Affonso XII ao Versailles
hespanhol, era uma senhora alta, de cabello louro, de olhos azues e de
uma distincçăo profundamente aristocratica.
Mudos, por muito tempo, foi ella, afinal, quem rompeu o silencio.
--_Es usted espańol?_--perguntou-me a minha amavel companheira.
--Năo, minha senhora, sou portuguez--respondi.
--Ah! portuguez.... conheço perfeitamente Lisboa; já lá estive tres
mezes. É uma cidade bonita, mas muito monotona. A natureza é admiravel,
mas a sociedade é demasiadamente ficticia. Năo tem uma vida propria, e
vive do que os outros lhe querem dar...
--E posso eu ter a honra de saber a quem me dirijo?
--Ora! por Deus! sou muito modesta para que deseje saber quem sou. Nasci
na America, em Nova-York. Depois meus paes mandaram-me para Paris, onde
fui educada. De Paris passei á Suissa, onde residi alguns annos, e da
Suissa vim para Madrid, onde vivo ha dez annos com meu marido e um unico
filho que tenho.
--E a opiniăo de v. ex.Ş ácerca de Madrid?
--Um magnifico centro com muita vida propria e alguma corrupçăo. Detesto
muito a politica hespanhola, e amo do coraçăo a sua litteratura. Gosto
muito dos seus poetas e dos seus litteratos. Săo enthusiastas
ardentes e mais que tudo fanaticos _ŕ outrance_.
--E a respeito das litteratas hespanholas, que me diz v. ex.Ş?
--Uns verdadeiros talentos. Conheci de perto D. Carolina Coronado. Tem
uma historia engraçada. Um dia ella, a caprichosa, que tanto e tăo a
peito defendia a emancipaçăo da mulher, arrojou para longe de si o trajo
feminino, e fez-se rapaz. Engraçadissima! Entrou na universidade ao
mesmo tempo que seu marido, formou-se em direito, e já escreveu sobre
direito penal. Hoje é uma distinctissima poetisa, e ainda uma
deslumbrante mulher.
--Admiravel!
--Tambem tive relaçőes intimas com a melhor novellista hespanhola, que
usava do pseudonymo Fernand Caballero. Havia sido perceptora dos filhos
do duque de Montpensier, e presentemente pouco escreve, creio eu.
--E a baroneza de Wilson, conheceu?
--Perfeitamente. D'essa senhora conta-se tambem uma anecdota curiosa.
Diz-se que Zorrilla estivera doente, e que, na sua enfermidade,
fôra tratado desveladamente por uma senhora, sua vizinha. Ao cabo da
doença, elle, querendo ser grato, esposou a sua enfermeira, a qual,
entăo, vivia com uma sobrinha, mulher de um grande talento, que mais
tarde casou com um inglez e que por isso se chamou baroneza de Wilson. E
tambem vivi muito de perto com D. Maria Pilar Sinués de Marco. É
romancista afamada. Vem-lhe de seu marido o nome de Marco, e por isso os
hespanhoes dizem d'elle--_se le conoce porque és marido de la Sinués_,
(similhança de _Cabeza e Calabazas_).
--Nunca fallou em Lisboa com uma distinctissima senhora, que usa do
pseudonymo Leon de la Vega?
--Pois năo! Sei que é esposa de um engraçado escriptor chamado D. Thomaz
de Mello.
--Exactamente.
--Além d'estas, convivi com Angela Grassi, mulher, talvez năo muito
formosa mas de muito talento; com D. Antonia de Arciniega e Martinez,
que cultivou um genero de poesia quasi pastoril; com D. Josepha
Estevez del Canto, admiradora em excesso das fabulas de Lafontaine, com
D. Emilia Cale Torres de Quintero, com D. Sofia Tartilau e com muitas
outras. Bem vę que seria impossivel recordar-me agora de todas as minhas
relaçőes. Unicamente lhe affianço que em Hespanha as mulheres que
escrevem, embora năo sejam muitas, săo todas dotadas de um immenso talento.
--Mas, minha senhora, permitta-me que lhe manifeste os meus mais
ardentes desejos de a conhecer...
--Perdăo... isso é que năo está no contracto. Tenho respondido a todas
as suas perguntas e isso me basta... O meu nome, năo lh'o posso por ora
revelar. É possivel que mais tarde o saiba. Por agora desculpe-me.
--_Escurial! Escurial!..._--gritaram os guardas do caminho de ferro.
A minha companheira apeou-se, e, estendendo-me a măo, nem sequer me deu
tempo para me despedir d'ella.
* * * * *
Dois dias depois, o creado do hotel, em Madrid, entregava-me um bilhete
concebido nos seguintes dizeres:
_D. Maria del Sarto_
_pede-lhe a fineza da sua companhia para o jantar de hoje,
ás 6 horas da tarde, na Calle de Alcalá---8._
--Maria del Sarto! Quem será Maria del Sarto?--exclamei.
E ás 6 horas da tarde, em ponto, dirigi-me para a rua de Alcalá.
Qual foi, porém, o meu espanto, quando, ao entrar na sala dei de rosto
com a minha formosa amiga de viagem.
--Sente-se aqui--disse-me ella, apontando para uma cadeira.
E foi nessa occasiăo, e nesse jantar, que me foi dado formar um juizo
seguro ácerca das cousas e dos homens de Hespanha.
Devo-o principalmente áquella affectuosissima senhora, a quem d'aqui
envio os meus respeitos e a minha gratidăo.
.........................................................................
Uma vez, porém, que fallamos em celebridades, conversemos um pouco sobre
ellas.
XVIII
HOMENS ILLUSTRES
Em Hespanha é extraordinario o numero dos homens illustres.
Poucos săo os talentos naquelle paiz que năo possuam uma feiçăo
eminentemente litteraria. Os proprios politicos resentem-se d'este
defeito, se defeito se lhe póde chamar.
Do romance săo innumeros os cultores. A Hespanha, como paiz de mais
aventuras, presta-se a elle. Entre nós săo já muito conhecidos os nomes
dos srs. Manuel Fernandez y Gonzalez, homonymo do celebre ministro
republicano, ultimamente mandado sahir de Lisboa pelo governo
portuguez, Henrique Peres Escrich, Ortega y Frias, Tarrago e Mateos, etc.
O sr. Fernandez y Gonzalez é uma especie de Ponson du Terrail hespanhol.
É escriptor fecundo e de muita força concepcional.
Peres Escrich é quasi mystico. Os assumptos dos seus romances săo quasi
sempre religiosos. É um romancista catholico, mas săo puras as suas
intençőes sem as sacrificar á seita.
Ortega y Frias, Tarrago y Mateos, Piedro Antonio Alarcon, Peres Gadosh,
Antonio Hurtado, Varella, Vilhoslava, Ricardo Sepulveda săo os que mais
se aproximam do romance moderno na descripçăo e no entrecho dos assumptos.
Eusebio Blasco é um humorista de grande merecimento, e José Castro e
Serrano é, em nosso juizo, talvez o primeiro novellista hespanhol.
A estes podemos, de certo, juntar D. Manoel Silvella, Asmodeu,
pseudonymo, Antonio Trueba, auctor de uns famosos contos,
sobejamente conhecidos na litteratura da Europa.
Na poesia avultam Zorrilla, um lyrico surprehendente; Campoamor; Garcia
Gutierres, de quem se diz que nasceu com o _Trovador_ e que morreu com
D. Urraca; Ventura Ruiz Aguillera, auctor de um famoso livro de satyras;
José Martinez Villergas, egualmente satyrico: Roberto Robert, espécie de
Voltaire no arrojo da palavra e do conceito; Grillo, Gaspar Nunes de
Arse, Espronceda, José Eshegarai, Hartzenbusch, Antonio Arnao, Antonio
Hurtado, José Selgas, tambem prosador, Trueba, Carlos Frontaura, Carlos
Rubio, Larra e outros.
Passando da poesia para a politica, săo tantos os nomes, que
difficilmente seria possivel recordal-os a todos.
Quando estive em Hespanha, contava-se uma anecdota curiosa de Emilio
Castelar.
Dois estudantes da escola medico-cirurgica de Lisboa tinham ido a Madrid
assistir á entrada de D. Affonso XII na cidade, depois de concluida a
guerra carlista. Era dia de sessăo no congresso. Fallava Castelar.
Nas tribunas agglomerava-se o povo. Difficilmente se obtinha um logar.
Um dos estudantes, porém, reflectindo no caso, entrou numa mercearia, e
escreveu a Emilio Castelar as seguintes linhas:
«Estăo aqui dois portuguezes, seus admiradores, que desejam ouvil-o.»
O merceeiro, que viu que a carta era subscriptada para o insigne orador,
năo lhes levou nada, nem pelo papel, nem pela tinta.
Castelar leu o bilhete, e immediatamente sahiu do congresso, a fim de
introduzir os dois estudantes na tribuna, reservada á diplomacia.
Quando acabou de fallar foi ter de novo com os dois estrangeiros, e
offereceu-lhes os seus serviços e a sua pessoa n'aquella cidade.
Este traço revela bem as brilhantes qualidades, que caracterisam Emilio
Castelar.
E, uma vez que fallámos em Castelar, năo esqueceremos tambem de
mencionar um distincto talento, seu amigo intimo, director do
jornal, o _Globo_, e auctor de um famoso livro sobre o _movimento
operario na Europa no seculo XIX_. Este cavalheiro chama-se D. Joaquim
Martin de Olias.
Francisco Pi y Margall é um outro vulto que trouxe na memoria. Estive em
sua casa perto de duas horas, e precisamente na mesma sala onde aquelle
célebre padre tresloucado tentou assassinal-o. É um caracter magestoso e
um talento deslumbrante. Fui encontral-o a brincar com dois filhinhos
menores. Que contraste entre aquella scena puramente domestica e a dos
seus actos publicos! O homem vigoroso da tribuna e da imprensa é um anjo
de paz e de amor no seio dos seus! Foi-me realmente agradavel esta visita.
Salmeron, o erudito publicista, que resignou gloriosamente o poder por
năo querer assignar a pena de morte para o exercito, vivia
exclusivamente do professorado. Regia uma cadeira de ensino livre no
Atheneu, retribuida pelos discipulos.
Zorrilla, que atravessou os transes mais dolorosos da vida, e que
além de um grande poeta é tambem politico de notavel bom-senso, vę-se
hoje expatriado e longe dos seus.
O mesmo succede a talentos notaveis como Fernandez de los Rios, Fernando
Garrido, Ramon de Cala, Estevanez, Gonzalez e outros.
José Maria Orense, o decano da democracia hespanhola, está quasi
afastado da politica.
Sagasta póde talvez ser classificado entre os radicaes. Passa por
excellente caracter e por conservador sympathico.
Canovas del Castillo, embora defensor de uma má causa, é todavia um
eminente orador e um notavel poeta.
Que a dizer a verdade, abaixo de Castelar, os dois oradores mais
afamados săo Figueras e Martos.
O verdadeiro enthusiasmo hespanhol está, porém, no exercito. Entre
Olozaga e Martinez Campos, prefere-se este justamente pela espada, que
traz á cinta. E a prova é que, terminada a luta com os carlistas, as
acclamaçőes da cidade dirigiram-se mais a Martinez Campos do que a
D. Affonso XII.
De modo que em Hespanha o militarismo é um vicio galante, de que as
mulheres năo desdenham e que os politicos temem soberanamente.
Fallando, porém, de homens illustres, năo deveremos de modo algum
omittir dois nomes, que, por mais do que um lado, nos devem ser
sympathicos e affectuosos.
Esses nomes săo os dos srs. D. Benigno Joaquim Martinez e Antonio Romero
Ortiz, de quem em seguida nos vamos occupar.
XIX
D. BENIGNO JOAQUIM MARTINEZ E ANTONIO ROMERO ORTIZ
Só em Madrid o numero de jornalistas sobe talvez a mais de duzentos.
Ainda ha pouco, por occasiăo de se installar o _Casino de la Prensa_ na
calle Mayôr, orçaram por 160 as adherencias da parte do jornalismo
madrileno.
Entre os mais sympathicos periodicistas hespanhoes podemos citar:
Escobar, Perez de Guzman, José Ortega, Ulloa, Sagasta, Garcia Ruiz, Pi y
Margall, Figueras, Navarro, Blasco, Molina, L. Rubio, Palacio, Alcalá
Galliano, dr. Galdo, Tubino, Diaz Perez, Quintero, Escosura,
Soriano Fuestes, Ruti, Rivera, Calvo Ascencio, Leon Serrano, Benigno
Martinez, Romero Ortiz e mil outras illustraçőes que nos seria
impossivel enumerar em opusculo de tăo limitadas proporçőes.
* * * * *
D. Benigno Joaquim Martinez é conhecido pelo doce appellido de _amigo
dos portuguezes_. A sua casa e a sua bolsa estăo sempre á disposiçăo dos
nossos patricios e conterraneos. Nada ha que possa retribuir tamanho
affecto e tăo devotada abnegaçăo. Dir-se-ia que D. Benigno é, de facto,
mais portuguez do que hespanhol.
Martinez foi por muito tempo empregado superior no ministerio da
justiça. Até ahi advogara e vivera do jornalismo. As suas convicçőes
radicaes năo lhe permittiram, porém, que continuasse a servir um governo
que desde muito lhe era antipathico. Entăo sem mais recursos, deliberou
entregar-se exclusivamente á imprensa, tanto nacional como estrangeira.
Tem sido correspondente de jornaes inglezes, italianos e francezes. A
sua vida mal se descreve. Ha dias em que se senta á meza desde a
madrugada até ao jantar e desde o jantar até á madrugada. A honra e a
dignidade săo a sua divisa. Nunca transigiu. Em Portugal já 11 jornaes
lhe confiaram as correspondencias de Madrid, as quaes elle tem cumprido
com uma pontualidade rigorosamente britannica. Tambem collaborou no
periodico _Italia e Popolo_ de José Mazzini. Redigiu em Madrid seis
folhas politicas. Escreveu a biographia de 45 vultos portuguezes, e
sempre, desde 1846 até hoje, se tem occupado, com verdadeiro fervor, das
cousas, da politica e dos homens do nosso paiz. Por isso tambem quasi
todas as sociedades portuguezas o tęm distinguido com os seus diplomas e
honrarias.
D. Benigno é casado com uma senhora distinctissima, de quem teve tres
filhos: uma menina, já casada, e dois rapazes, um dos quaes é Frutos
Martinez y Lumbreras, estudante classificado na universidade central e
escriptor já conhecido pelas _Bandeiras de Portugal_ e _Hespanha_.
Em casa de Martinez tivemos a honra de travar relaçőes com dois notaveis
talentos, de quem năo deixaremos de fallar; e săo elles D. Manoel Maria
José de Galdo e Antonio Hesse.
Do primeiro escreveu um periodico portuguez o seguinte:
«Pela nomeaçăo do sr. Rivero para ministro de _la gobernacion_ em
Hespanha ficou vaga a presidencia da municipalidade de Madrid. Neste
logar foi provido por eleiçăo o sr. D. Manoel Maria José de Galdo,
cavalheiro distincto de cujos precedentes diremos algumas palavras. O
sr. Galdo é cathedratico proprietario na universidade de Madrid, e além
de regente de 1.Ş classe de sciencias, lecciona mineralogia e noçőes de
zoologia e botanica. É licenciado em medicina e cirurgia, doutor na
faculdade de philosophia, licenciado em direito civil, administrativo e
canonico. É membro honorario de muitas sociedades e institutos
scientificos de Hespanha, França e Portugal. É em resumo um cavalheiro
muito illustrado, e em extremo laborioso e modesto.»
Em seguida á revoluçăo de setembro foi o dr. Galdo feito 1.ş alcaide da
capital de Hespanha e commandante geral de 20.000 voluntarios de Madrid.
Nestes dois importantes e difficeis cargos mereceu sempre os applausos
de toda a imprensa sem distincçăo de côres politicas. O que prova
exuberantemente o espirito de justiça e a alta prudencia que dirigem
todos os actos d'aquelle cavalheiro. Ultimamente a sua eleiçăo para
presidente da municipalidade de Madrid, em substituiçăo de um homem de
tăo reconhecido merito como o sr. Rivero, é mais um titulo honroso que
vem juntar-se aos muitos, que já recommendavam ao partido radical da
Hespanha, e em geral a toda a naçăo vizinha, um honrado filho da
peninsula, que ao seu talento, ao trabalho e ás suas qualidades pessoaes
deve a estima de nacionaes e estrangeiros.
Na inauguraçăo do canal Suez coube ao sr. dr. Galdo a honra de
representar a Hespanha.
A sua integridade de caracter e a sua modestia, conservaram-no muito
tempo afastado das lides politicas, ás quaes voltou cheio, como d'antes,
de dedicaçăo e amor aos principios liberaes, apenas a Hespanha sacudiu o
jugo que a opprimia. Nos ultimos arrancos da monarchia deposta, mais de
uma vez fôra tăo illustre e inoffensivo cidadăo apontado á vindicta do
poder.»
Antonio Hesse é advogado de nome; possue excellentes dotes oratorios e
d'elle corre impresso um ajuizado opusculo sobre critica religiosa.
Para rematar, porém, o que dissemos, ácerca de D. Benigno Joaquim
Martinez, basta ainda accrescentar que é elle um modelo de amor de
familia, um ousadissimo e infatigavel trabalhador, uma consciencia recta
e uma intelligencia să.
* * * * *
Antonio Romero Ortiz é um outro amigo dos portuguezes. Nascido na
Gallisa, onde fundou differentes jornaes liberaes e onde organisou um
nobre batalhăo de voluntarios, só em 1843 se inscreveu como advogado em
_Santiago_, terra da sua naturalidade. Em 1856, quando mais accesa
andava a lucta entre miguelistas e liberaes, veiu ao Porto, e ahi foi
pronunciado e levado prisioneiro para bordo do _Serra do Pilar_, que o
conduziu para Peniche.
Em 1848 Narvaez, um covilheiro infame do absolutismo, descobriu uma
conspiraçăo de liberaes, capitaneada por Romero Ortiz. Sem mais
averiguaçőes, o carrasco ordenou a prisăo do chefe dos revolucionarios,
mandando-o para as masmorras de Santo Anton, perto da Corunha. O
processo foi instaurado; duas cartas existiam de grave compromisso para
o encarcerado. No momento, porém, em que o escrivăo estava distrahido
Romero Ortiz, pegando nas cartas, arremessou-as pela janella. Este
arrojo salvou-o do patibulo.
Em 1849 veiu para Madrid, onde, entre outras obras interessantes,
publicou o _Diccionario da politica_, de collaboraçăo com dois amigos.
Chegou o anno de 1854, e desde entăo para cá, ora na imprensa, ora na
tribuna, tęm sido assignalados os seus feitos em pro da patria e da
liberdade. Foi elle que, sendo ministro da justiça, instituiu o
matrimonio civil e aboliu a companhia de Jesus. Por diversas vezes foi
nomeado governador civil; e quando em Hespanha se constituiu a _Uniăo
liberal_, o sr. Rios Rosas dispensou-lhe a maior consideraçăo e os
maiores respeitos. Foi deputado pela primeira vez em 1854 pela Corunha.
Tomou parte activa na revoluçăo de 1868, e no governo _provisional_ foi
elle um dos ministros.
O seu mais notavel discurso, que versava sobre uma concessăo de direitos
aos portuguezes, foi pronunciado no congresso em 29 de março de 1859; e
a sua mais afamada publicaçăo intitula-se: «_La historia de la
literatura portuguesa em el siglo XIX._»
É obra que denota boas intençőes a nosso respeito. Conhece o periodo
contemporaneo, e é seguro o estudo sobre Filinto, dos mais
conscienciosos que conhecemos. Mas, no momento actual em que nos
considerou, dá mostra de recebimento de más informaçőes. Guinda a certa
altura quem năo merecia ir tăo alto, e esquece nomes, em todas as
pretendidas escholas, dos que, á parte rivalidades de que nós nos năo
fazemos echo, săo de primeira plana em todos os campos.
Com o golpe de 3 de janeiro de 1873 foi Romero Ortiz nomeado ministro do
ultramar.
Ultimamente vive um pouco doente e retirado das cousas politicas, quasi
que exclusivamente entregue ao seu museu, que é curiosissimo, e aos seus
estudos.
No seu museu, de que já fallámos mais atraz, encontram-se muitas
curiosidades do nosso paiz, e entre ellas uma luvas do marquez de Sá da
Bandeira, a caixa de rapé do visconde de Castilho, e uma lembrança
de D. Pedro V, e outra do visconde de Paiva Manso, etc.
Tambem alli se póde vęr a camisa de Santa Thereza de Jesus, a casaca de
Cabrera, um crucifixo feito pela rainha Isabel II e muitas outras
reliquias dignas da maior attençăo e de estudo.
XX
EM RETIRADA
Onde năo ha fumo ha amor; onde năo ha amor ha vinho; onde năo ha vinho
ha _spleen_.
Săo estas as palavras de um poeta notavel, que muito de molde nos
acudiram ao espirito, em relaçăo ao caso presente.
Quem viaja deve fumar. O fumo năo é apenas um bom e doce companheiro
para as tristes horas de tédio e de melancolia, mas ainda mais, e quasi
sempre, um distinctivo do sabio e um facil auxiliar da nossa digestăo
intellectual.
O fumo está para o cerebro na mesma proporçăo em que o café está
para o estomago. Ambos se tornam até certo ponto necessarios ao homem;
com a simples differença de que o café nos excita, por vezes,
demasiadamente os nervos, ao passo que o fumo se limita a produzir em
nós um salutar estimulo ás nossas idéas e ao nosso raciocinio.
Mas, se, além do fumo, nos falta ainda o amor e o vinho, entăo,--ai de
nós! que chegaremos ao aborrecimento de nós mesmos, isto é--ao _spleen_.
A viagem sem companhia é a peior de todas as torturas. A expansăo é tăo
necessaria á nossa natureza, como o azul ao firmamento. Que nos importa
ver uma formosissima paisagem, se depois năo temos a quem communicar as
nossas impressőes e o nosso juizo de momento?
E notavel contradicçăo! A companhia é-nos tanto mais necessaria, quanto
é certo que, quando estamos no estrangeiro, nos acommette uma singular
nostalgia por tudo o que é nosso e nos interessa, emquanto que, quando
regressamos á patria, nos assalta uma terrivel hypocondria por tudo
o que é estranho e nos assombra.
D'este modo, leitora amiga, se algum dia tiver o capricho de viajar,
tenha paciencia, e tome uma aia; ou ainda, se isso lhe aborrece, peça a
uma das suas intimas confidentes para a acompanhar.
E verá que a năo engano!
* * * * *
Ora a retirada é quasi que uma recapitulaçăo de tudo o que se fez pelas
terras onde se esteve.
--Que te pareceu esta gente?--perguntava-me o meu companheiro e velho
condiscipulo--amigo José Trigueiros Martel.
--Esta gente!... pois que diabo me havia de parecer, senăo unica e
originalissima!... retorqui.
E começamos a enumerar os principaes partidos politicos em que se
dividia a familia hespanhola, que eram pouco mais ou menos os
seguintes:
Absolutistas de qualquer rei.
Carlistas clericaes.
Carlistas militares.
Carlistas constitucionaes.
Cabreiristas.
Neo-dynasticos absolutistas.
Dynasticos tolerantes.
Moderados unitarios.
Moderados conservadores.
Conservadores da conciliaçăo.
Heterogeneos.
Homogeneos canovistas puros.
Santa-crucistas.
Sagastinos.
Neo-constitucionaes democraticos.
Radicaes puros.
Radicaes do X.
Radicaes republicanos.
Democratas monarchicos.
Democratas puros.
Republicanos catholicos.
Confederados.
Separatistas.
Communistas.
E năo queria Amadée Achard que a Hespanha fosse alcunhada de bandoleira!
Ninguem lhe desconhece os feitos de Numancia, de Sagunto, de Madrid, e
de Zaragoza. Certamente que a Hespanha tem na sua historia paginas
sagradas, como por exemplo as que resam das santas guerras das
_communidades_ de Castilla. Mas a par de tudo isto, ahi estăo os factos
da Andaluzia a fallar mais alto do que os patriotismos exagerados; e ahi
estăo tambem os acontecimentos dos ultimos vinte annos a affirmar-nos
eloquentemente que esse paiz, embora cheio de vida e dotado de
enthusiasmos respeitaveis, ha de ser sempre uma contradicçăo viva a tudo
o que existe e um especialissimo parenthese na vida das naçőes.
E provirá isto de uma simples questăo de raça, de clima, de religiăo, de
lingua, de costumes, de civilisaçăo ou de _meio_?
Que o digam os srs. philosophos historiadores.
Nos costumes reside, principalmente, a expressăo de uma nacionalidade.
Porque hoje, francamente, năo se póde viajar apenas, como um
simples brazileiro endinheirado--_em trem especial de exclamaçőes_.
Năo basta só dizer, admiravel! magnifico! explendido! como aliás parece
fazer a maioria dos nossos viajantes.
--Entăo que me diz o amigo de Pariz?
--_Ah!_
--E de Londres?
--_Eh!_
--E da Suissa?
--_Uh!_
E assim ficamos, sem passar das cinco vogaes exclamativas; sem uma unica
noçăo da justiça do povo que visitamos, como ella era administrada e
repartida, sem uma unica idéa da sua arte, da sua politica, da sua
religiăo e dos seus progressos.
A isto podia, quando muito chamar-se-lhe uma ostentaçăo, mas nunca uma
viagem.
* * * * *
Resumindo:
A Hespanha possue um vicio inicial de que difficilmente se libertará--a
religiăo catholica-apostolica-romana guindada ás alturas de fanatismo.
Na sua politica, como na sua justiça, reflecte-se tristemente a
contradicçăo, junto a um continuo mal estar de quem năo tem uma noçăo
clara da evoluçăo que a deveria reger, e das leis que deveriam presidir
ao seu desenvolvimento moral e material.
A sua arte afigurou-se-nos estar em perfeita harmonia com as suas
mulheres: mais brilhante talvez, na fórma do que na concepçăo e no
sentimento.
Entretanto, forçoso é confessar que poucos paizes ha de tăo vastos
recursos como a Hespanha, e porventura mesmo poucos existirăo com futuro
tăo promettedor como ella.
Os casos das _Baldomeras_ tęem-lhe ultimamente aberto os olhos para
as grandes luctas da civilisaçăo moderna, apurando-lhe o raciocinio para
os insignes debates do espirito e da critica positiva.
Que tudo isso lhe seja de bom proveito, assim como Sédan o foi para a
França.
* * * * *
Mas perdăo! 6 horas da madrugada. Devemos estar perto de Lisboa.
--_Lisboa! Lisboa!_ exclama um guarda de fóra.
Assim, pois, leitor amigo, permitta-me que lhe aperte a măo, e que com
tristeza me despeça da sua extrema amabilidade.
Um seu creado!
FIM
INDICE
Pag.
I--CARACTERES E COMPARAÇŐES 7
II--NÓS E ELLES 15
III--A CIDADE 23
IV--A LENDA DO BANDIDO 33
V--EDIFICIOS PUBLICOS E OUTRAS CURIOSIDADES HISTORICAS 41
VI--A INSTRUCÇĂO PUBLICA 51
VII--TEMPLOS E RELIGIĂO 59
VIII--A POLITICA 67
IX--MUSEUS 75
X--A MUSICA 83
XI--O CHOCOLATE E O CAFÉ 91
XII--O SALERO 99
XIII--THEATROS 107
XIV--OS PATINADORES 117
XV--TOURADAS 125
XVI--O PRADO E O RETIRO 133
XVII--HISTORIA INEDITA 155
XVIII--HOMENS ILLUSTRES 163
XIX--D. BENIGNO JOAQUIM MARTINEZ E ANTONIO ROMERO ORTIZ 171
XX--EM RETIRADA 181
End of Project Gutenberg's Costumes Madrilenos, by Sebastiăo de Magalhăes Lima
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Costumes Madrilenos - Notas de um Viajante
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Excerpt
Project Gutenberg's Costumes Madrilenos, by Sebastiăo de Magalhăes Lima
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Title: Costumes Madrilenos
Notas de um Viajante
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— End of Costumes Madrilenos - Notas de um Viajante —
Book Information
- Title
- Costumes Madrilenos - Notas de um Viajante
- Author(s)
- Lima, S. de Magalhães (Sebastião de Magalhães)
- Language
- Portuguese
- Type
- Text
- Release Date
- September 15, 2009
- Word Count
- 26,865 words
- Library of Congress Classification
- DP
- Bookshelves
- Browsing: Culture/Civilization/Society, Browsing: History - European, Browsing: Travel & Geography
- Rights
- Public domain in the USA.
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